É arriscado avançar com uma obra desta envergadura sem se ter a garantia da totalidade do capital necessário.
Bruno Soares *
Esta é por ventura a crónica de maior dificuldade e complexidade que terei de escrever.
Na realidade, nos últimos meses saiu tanta informação em relação à Linha do Vouga que custa saber ao certo por onde começar, no entanto tentarei ser o mais sucinto possível para não “descarrilar” nos mais variados temas.
Em primeiro lugar, pretendo mostrar a minha apreensão e preocupação em relação ao futuro que se augura para esta via férrea. Não pretendo mostrar uma visão pessimista mas antes cautelosa e realista.
Ao contrário das mais variadas entidades políticas, que rejubilam por verem finalmente as suas “presses” atendidas pelo Governo, enquanto membro do Movimento Cívico Pela Linha do Vouga (MCLV) prefiro mostrar desconfiança, pois podemos estar meramente diante de uma campanha eleitoralista. Mas vamos por partes.
Ora, no passado mês de Novembro, aquando das comemorações dos 110 anos da inauguração da Linha do Vouga, a Infraestruturas de Portugal (IP) anunciava que iria ser feito um investimento na ordem dos 24 milhões de euros, a cumprir até 2021.
A IP pretendia, entre outros, levar a cabo investimentos de 12,7 milhões para a renovação do troço entre Espinho – Oliveira de Azeméis, em 2020, e de sete milhões para intervenção idêntica entre Águeda e Aveiro, em 2021. Até este ponto, praticamente tudo bem.
Na minha perspectiva, e apesar da desilusão pessoal pelo facto de não se prever intervenções no troço entre Sernada e Oliveira de Azeméis, tratava-se de uma medida bastante realista, até porque os ditos investimentos previam uma suposta eletrificação da via sem alteração da bitola, algo com que o movimento se tem debatido durante os últimos anos.
No entanto, não era isto que os autarcas inseridos na área metropolitanda do Porto queriam ouvir e, inclusivamente, até já tinham encomendado um estudo à Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) que previa, nada mais, nada menos, que um investimento na ordem dos 95 milhões para o alargamento e alteração da bitola, apenas para serviço de passageiros, o qual poderia ascender ainda aos 165 milhões caso o investimento contemplasse, também, o serviço de serviço de mercadorias. É aqui que as ambições políticas parecem começar a descarrilar…
É que os estudos apontam, do meu ponto de vista, para valores altíssimos para renovar pouco mais de 30 quilómetros de via e o Governo anunciou uma verba de “apenas” 75 milhões de euros, a qual, embora seja bem mais generosa que a anunciada pela IP (pois em vésperas de eleições fica sempre bem), continua a ser insuficiente.
Mas os presidentes de Câmara servidos pelo troço nortenho não mostraram preocupação nem desconfiança. Não! Ficaram em êxtase por um anúncio que pode, na pior das hipóteses, levar ao encerramento definitivo da linha, pois é arriscado avançar com uma obra desta envergadura sem se ter a garantia da totalidade do capital necessário.
Para todos os efeitos, há que ter em conta que a economia portuguesa não é assim tão estável e a qualquer momento, o que hoje é verdade amanhã já será mentira. Basta ver o que se sucedeu com algumas das suas congéneres, como é o caso da Linha do Corgo e do Tâmega (linhas de bitola métrica), ou até mesmo da Linha da Lousã (linha de bitola ibérica), as quais encerraram “provisoriamente” com falsas promessas de renovação e, hoje em dia, não passam de simples caminhos em terra batida, que aguardam penosamente por um futuro que dificilmente passará pela via férrea. Nas duas primeiras, o mais provável é que se transformem nas dispendiosas e pouco úteis e rentáveis ciclovias. A segunda, será um ramal de, imagine-se, autocarros!
Haja bom senso, senhores. Cautela e pés bem assentes no chão é mínimo que se exige quando o assunto tem que ver com o futuro do “nosso Vouguinha”, caso contrário, arriscamo-nos a ver passar bicicletas ao invés de comboios…
* Representante do MCLV