A nossa atenção está de novo dirigida para um agente biológico que, proveniente de um reservatório animal, infeta os humanos e emerge na forma de surto numa zona geográfica onde a infeção não é habitualmente endémica. E embora o vírus Monkeypox não seja formalmente considerado uma arma biológica, a suscetibilidade da população e a escassez de meios de profilaxia e tratamento, fazem com que ele possa ser considerado uma potencial ameaça se utilizado de forma deliberada. O que poderá vir a ser mais um motivo de preocupação.
Por António Silva Graça *
O vírus Monkeypox é agora o mais prevalente dos Poxvirus, depois da erradicação total da varíola e de ter cessado a vacinação universal que lhe era dirigida. Ele tem um reservatório animal estrito, roedores e primatas presentes na África Central e Ocidental, que podem transmitir a infeção ao homem, geralmente por mordedura ou contato direto.
É frequente existirem pequenos surtos de infeção humana nesta região de África, e em 2022 já ocorreram alguns surtos, nomeadamente nos Camarões, Nigéria e República Centro Africana, mas não é habitual a sua ocorrência fora deste continente. A identificação de mais de duas centenas de casos, em menos de três semanas, em vários países doutros continentes (incluindo Portugal), alarmou as organizações de saúde que se ocupam da prevenção e vigilância das doenças transmissíveis, que agora procuram identificar rapidamente os casos e estabelecer uma relação epidemiológica entre eles.
A transmissão do vírus Monkeypox entre os humanos pode acontecer por contacto direto, prolongado, da pele ou mucosas com as lesões cutâneas de pessoa infetada, pela partilha de roupas contaminadas ou ainda através das gotículas respiratórias exaladas quando da fase inicial da doença (há então febre, mialgias, cefaleias, astenia, que ocorrem duas a três semanas após a transmissão do virus), mas o contágio entre os humanos não ocorre com facilidade.
No surto agora identificado, causado pela variante do vírus Monkeypox da África Ocidental (aquela que é responsável pelos casos com menor mortalidade, cerca de 1%), poderá ter ocorrido a exportação simultânea de mais de um caso de infeção (originados por virus com semelhante identidade genómica), o que explicaria a dificuldade em encontrar ligação epidemiológica entre centenas de casos, alguns deles sediados em locais com enorme dispersão geográfica. É também provável que esse movimento tenha decorrido já há algum tempo (meses? após o período de confinamento pandémico?), de modo a justificar o elevado número de casos, agora identificados, e a previsão deste número vir ainda a aumentar de forma significativa.
No atual surto, e provavelmente por razões circunstanciais, os casos têm sido identificados apenas em homens, que têm em comum a realização frequente de viagens e a prática de relações homossexuais, com múltiplos parceiros. Por esse motivo, as características lesões cutâneas (múltiplas vesículas, de conteúdo turvo, acompanhadas de intenso prurido local) têm sido encontradas na pele e mucosas das regiões de contato sexual, três dias após o início dos sintomas gerais, e acompanham-se de aumento dos gânglios linfáticos regionais.
Estando a varíola erradicada, o diagnóstico diferencial desta infeção viral deve ser estabelecido com a varicela, causada por um Herpesvirus, que se apresenta com lesões cutâneas semelhantes, mas menos exuberantes e mais disseminadas, e sem alteração dos gânglios linfáticos regionais; a destrinça é estabelecida com recurso a técnicas laboratoriais (microscopia eletrónica ou a técnica PCR). Na quase totalidade destas infeções o tratamento é apenas sintomático, cursando a cura das lesões em duas a quatro semanas, com escassas complicações.
A vacina contra a varíola tem elevado efeito protetor, cruzado, relativamente à infeção humana pelo vírus Monkeypox, proteção que pode persistir durante mais de vinte anos; no entanto, como esta vacina deixou de ser administrada no final dos anos 70, só os mais velhos poderão estar protegidos… Está ainda por decidir se haverá indicação para ser usada uma das novas vacinas contra a varíola, ainda sem autorização de utilização na União Europeia, e se serão elegíveis aqueles que tiveram contacto estreito, recente, com casos de infeção, e têm maior probabilidade de desenvolver doença grave.
* Infeciologista e Diretor Clínico do Hospital Cruz Vermelha. Artigo originalmente publicado no site Healthnews.pt.
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