Violência doméstica: o flagelo que subsiste

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Pintura na sala de Apoio à Vítima de violência doméstica da PSP de Aveiro.

O final do ano de 2024 trouxe consigo novos dados, que nos permitem fazer um balanço daquilo que tem sido o progresso do flagelo da violência doméstica.

Por Francisca Nicolau *

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Um crime, que é público, e que mora muitas vezes ao nosso lado, ou até na nossa família, e que temos o dever e a obrigação de o denunciar. Um crime que não escolhe idade, género, estatuto social, nem condições financeiras. Um crime que continua com números absolutamente perturbadores, e que decerto parece não ter acompanhado a (r)evolução dos direitos das mulheres.

Numa sociedade estruturalmente machista – desde o piropo “inofensivo”, até à necessidade de se ter de estipular uma verdadeira divisão de tarefas domésticas para que a mesma aconteça (não deveria isto ser básico?) – é falso afirmar que não são as mulheres as principais vítimas desta mentalidade. E os números não mentem: 25 mulheres foram assassinadas em Portugal, entre o início do ano e 15 de novembro vítimas de violência doméstica.

Engane-se quem ache que, este machismo estrutural afeta apenas as mulheres. A verdade é que os homens vítimas de violência doméstica – porque sim, também existem! – têm vergonha, muitas vezes, de se assumir como tal e de denunciar. Esta vergonha reside na forma como os seus pares e a própria sociedade os irão encarar: irão ser gozados, diminuídos, dizer até que não são verdadeiros homens (seja lá o que isso for!). Tudo isto porque, imagine-se… Um homem também pode ser vítima de um crime.

É inaceitável que, algumas das vítimas assassinadas tenham apresentado queixa várias vezes, e que mesmo assim tenham acabado sem vida, vítimas desse mesmo crime que elas próprias denunciaram.

É inegável que se têm dado passos importantes no âmbito da proteção e apoio às vítimas, de como é exemplo a Convenção de Istambul e a recente diretiva relativa à violência contra as mulheres e à violência doméstica. Nos últimos anos foram ainda implementadas, a nível nacional, importantes medidas como a atribuição do subsídio de desemprego às vítimas de violência doméstica a quem seja atribuído o estatuto de vítima, que permite que sejam concedidos apoios financeiros a estas, para que consigam sair de casa e recomeçar noutro sítio, onde o medo não seja o plano de fundo do seu dia-a-dia.

Num ano em que os números são novamente desanimadores, foram apresentadas por este Governo para o novo Orçamento de Estado, zero medidas concretas que realmente apoiem, de forma prática e direta, as vítimas deste crime.

Apesar de muito ter sido feito, continua a ser substancialmente muito pouco. O sistema judicial e social continua a falhar. Quem é que vai proteger efetivamente a vítima do agressor que ela denunciou? Porque é que são precisas 5 queixas para efetivamente se agir? Porque é que continuam a morrer mais de 2 dezenas de mulheres todos os anos?

A verdade é que a violência doméstica acontece, maioritariamente das vezes, nos próprios lares das famílias. Um lar que deveria ser sinónimo de amor, paz, conforto, mas que, infelizmente, para tantos é o último sítio para onde querem ir.

Um lar onde muitas vezes reside também uma criança. Que nunca irá esquecer tudo aquilo que assistiu. Uma criança que também é vítima.
Uma criança que vai à escola e vê os pais dos seus amigos sempre tão felizes, mas que chega a casa e encontra os gritos, a agressão, o desrespeito. Uma criança que, inevitavelmente, irá construir uma noção errática daquilo que deve ser o amor entre duas pessoas que supostamente se amam.

A única forma de tentar travar este pesadelo e alterar estes números é educar. Isto é um trabalho que deve ser feito pelos pais em casa, e na escola, nomeadamente na disciplina de cidadania.

Essa disciplina tão controversa onde dizem ser imposta uma ideologia às crianças: a ideologia do respeito pelo outro, a ideologia da igualdade, a ideologia da empatia, a ideologia da tolerância. Esta ideologia que nunca é demais doutrinar, e que, cada vez mais parece não ser posta em prática.

Preocupemo-nos com aquilo que realmente afeta as nossas crianças, e a nossa sociedade e deixemo-nos nós de ideologias. Este é um crime que é de todos até deixar de não ser de ninguém!

Francisca Nicolau.

* Membro do Secretariado concelhio da JS Aveiro e estudante de direito (FDUC).

 

 

 

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