Tenho uma relação ambivalente com a cidade de Lisboa, de onde saí há quase 30 anos, rumando a norte para me instalar numa pacata vila no coração da Bairrada.
Por Luís Lopes *
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Na altura queria muito deixar a capital, fugir do trânsito da A5 e do bulício da Baixa, buscando uma certa ruralidade que associava a qualidade de vida. Para trás deixei muitas coisas boas: a baía de Cascais, a rua Direita, o Guincho, a marginal ao sábado de manhã, o sol de inverno no Terreiro do Paço, a oferta gastronómica da cidade grande. Nunca me arrependi, porém, e hoje cada fugidia visita a Lisboa reforça – e de que maneira! – a certeza da decisão.
Fazendo da escrita de vinhos profissão, queria habitar numa região vitivinícola. Curiosamente, o destino bairradino foi um acaso, uma oportunidade, não a primeira escolha. Essa, estava há muito fixada em Alenquer e seus arredores. Relativamente perto da urbe, para não cortar de vez todos os laços, mas suficientemente longe para poder usufruir da paz rural. Viver entre colinas, vinhedos e moinhos, com a serra e o mar, casas de traça antiga recuperadas com bom gosto. Infelizmente, não era o único lisboeta a pensar assim e logo percebi que as bonitas casas de Alenquer estavam fora do meu alcance. Mas o gosto pela então chamada Estremadura, e pelos vinhos ali produzidos, nunca se perdeu.
Os vinhos de Lisboa, hoje, pouco têm a ver com os de há 30 anos, quando marcas como Quinta da Abrigada, Quinta de Pancas, Quinta das Cerejeiras ou Casa das Gaeiras brilhavam nos restaurantes da capital, entre uma imensidão de vinho indiferenciado que a região produzia e vendia a granel. A faixa litoral a que hoje chamamos região dos vinhos de Lisboa (ex Oeste, ex Estremadura), sempre foi terra de produtores de vinho com larga visão empresarial, gente capaz de rapidamente converter vinhas e adegas para oferecer ao mercado aquilo que, num dado momento, o mercado precisa. E historicamente assim foi com África, com as tabernas lisboetas, com os supermercados do Reino Unido, com os exigentes consumidores do norte da Europa ou dos EUA. Nos primeiros oito meses de 2024, os números de Lisboa estão em contraciclo: crescimento de 4% face o mesmo período de 2023 e 80% do vinho exportado.
A Grande Prova que publicamos nesta edição mostra a enorme diversidade da oferta, assente num verdadeiro caleidoscópio de castas e perfis de vinho, que a dinâmica região de Lisboa disponibiliza. Basicamente, os produtores de Lisboa estudam as condições do seu território em termos de solos e clima – sendo a proximidade do mar e a maior ou menor protecção da serra de Montejunto determinantes – e definem as variedades que querem plantar em função do seu modelo de negócio ou do perfil de vinho que ambicionam. Não existe uma receita infalível para o sucesso: é possível desenvolver um projecto recompensador com base em 20 ton/ha de Caladoc ou 6 ton/ha de Castelão. Tudo depende da dimensão da exploração e do mercado alvo. E o produtor da região está sempre pronto a experimentar coisas novas. Veja-se o notável desempenho da casta Viosinho, a caminho de se tornar mais famosa em Lisboa do que na região de origem…
Quer isto dizer que a heterogeneidade dos vinhos de Lisboa apaga a sua identidade regional? Não, de modo algum. E não é preciso ir buscar as DOC históricas de Colares, Bucelas ou Carcavelos para o atestar. A dimensão atlântica dos vinhos de Lisboa, a sua frescura, é um fio condutor que nos guia entre os múltiplos aromas e sabores. E, com o tempo, aprendemos a distinguir e a apreciar as nuances próprias de cada origem: Alenquer, Óbidos, Torres Vedras, Arruda, Encostas d’Aire… Afinal de contas, Lisboa é um mundo.
* Diretor da Revista Grandes Escolhas. Editorial do número de outubro de 2024.
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