As notícias recentes sobre um alegado verão escaldante em Portugal, Espanha e na Europa, em 2019, não mencionam como foram obtidas tais previsões, nomeadamente, qual o centro de previsão, modelo meteorológico e método científico para chegar às conclusões publicadas.
Alfredo Rocha *
Verão escaldante, será mesmo?
Foram ontem, 22 de maio, divulgadas por vários órgãos da comunicação social notícias que davam conta de uma previsão de tempo a médio-longo prazo sobre a ocorrência de temperaturas recorde, ondas de calor, fogos florestais no próximo verão em Portugal, Espanha e outros países da Europa.
As notícias publicadas em Portugal baseiam-se num artigo de opinião publicado pelo AccuWeather (https://www.accuweather.com/en/weather-news/accuweather-2019-europe-summer-forecast/70008315).
As notícias não mencionam como foram obtidas tais previsões, nomeadamente, qual o centro de previsão, modelo meteorológico e método científico para chegar às conclusões publicadas. Seria de esperar que, ao ler o artigo, os jornalistas contactassem o IPMA, ou acrescentassem ciência antes de as publicarem. Também seria desejável o IPMA pronunciar-se explicitamente sobre estas notícias. Tal não aconteceu, salvo algumas exceções.
A meteorologia é uma ciência
A AccuWeather é uma empresa que tem um modelo de negócio baseado em subscrições e em anúncios. Como qualquer negócio precisa de sobreviver e, infelizmente, nem sempre as metodologias usadas para o fazer são as mais responsáveis. Este tipo de empresas que proliferam em todo o mundo não fazem ciência nem previsão de tempo e/ou clima (pelo menos não o dizem).
Estas empresas recorrem a previsões de tempo e clima realizadas por institutos e centros de meteorologia de referência (embora nem sempre isso seja dito) e publicam essas previsões dando-lhe uma roupagem mais ‘cool’. Nada de mal com isso desde que identifiquem as fontes e os métodos utilizados, mas não se ‘estiquem’ para além da ciência fazendo previsões como estas.
As únicas previsões sérias com alguns meses de avanço são aquelas realizadas e divulgadas pelos centros de referência (IPMA, ECMWF, NOAA etc..) e que, para já, têm muito pouca utilidade para horizontes temporais para além de um mês.
Até pode ser que neste verão ocorram ondas de calor e as catástrofes previstas. A ciência tem mostrado que as temperaturas estão e irão aumentar e que o número e intensidade das ondas de calor estão e irão a aumentar. Portanto, em termos estatísticos até será de esperar que os recordes de temperatura venham a acontecer mas, deterministicamente, não é possível dizer que tal irá acontecer este verão ou se no próximo.
Se este verão for ‘normal’ ninguém se vai lembrar das previsões publicadas, mas se as mesmas se vierem a verificar, então sim, a AccuWeather e a comunicação social acertaram, etc…
As únicas previsões a longo prazo com base científica são aquelas realizadas, por exemplo, pelo IPMA:
– Previsão mensal:
http://www.ipma.pt//pt/otempo/prev.longo.prazo/mensal/index.jsp?page=prev-212019.html
– Previsão sazonal:
http://www.ipma.pt//pt/otempo/prev.longo.prazo/sazonal/index.jsp?page=prev-saz-02-2019.html
Onde é claramente dito:
‘Salienta-se que não obstante os avanços científicos que vêm sendo registados, a análise e interpretação dos sinais fornecidos pelos modelos para o longo prazo devem ser efetuadas tendo presente que se trata de produtos ainda em fase de desenvolvimento e que fornecem indicações baseadas em probabilidades de ocorrência e sem caráter determinístico. Recomenda-se em consequência uma interpretação cuidada dos resultados apresentados nas previsões sazonais.’
ou pelo Centro Europeu para a Previsão de Tempo a Médio Prazo (ECMWF):
https://www.ecmwf.int/en/forecasts/charts/catalogue/?facets=Range,Long%20(Months)%3BType,Forecasts
* Professor de Meteorologia e Clima da Universidade de Aveiro.