Não sou eu que o digo, ou melhor, não sou eu que o digo pela primeira vez; muitos, muito mais sábios do que eu, já o disseram antes: plantar árvores depois do fogo é (quase) sempre uma má ideia. Plantar árvores depois do fogo fica bem nas capas de jornal, é uma ação que apela ao coração e ao voto, mas tem pouco ou nenhum efeito positivo na recuperação de áreas ardidas e eu vou explicar porquê.
Por Paula Maia *
Depois de um fogo no “nosso” território continental, exceto raras exceções, a vegetação tem capacidade de se autorregenerar – ora através do crescimento de novos tecidos aéreos, novos caules, folhas, até toda a planta renascer depois do fogo; ou através de sementes, responsáveis pelo aparecimento de novas plantas, que colonizam o solo disponível depois do fogo.
Por isso, é preciso compreender os processos que foram perturbados, os que podem ser estimulados pelo fogo e os riscos envolvidos nesta perturbação.
É preciso observar, analisar, esperar… reanalisar, para planear as ações de restauro mais adequadas a cada caso, em vez de correr a plantar árvores depois do fogo.
No que diz respeito às plantas e à vegetação, no topo da hierarquia dos riscos promovidos pelo fogo não está a destruição das plantas e florestas nativas – essas são pré-equipadas para lidar com ele, desde que em intervalos de retorno espaçados. O maior risco (ou um dos maiores) é a proliferação de plantas invasoras que, para além de estarem (muito bem) adaptadas à ocorrência do fogo, carecem de outros inimigos naturais e apresentam uma vantagem competitiva inegável às espécies nativas.
Para prever os processos que podem ser desencadeados pela ocorrência de fogo contribuem fatores como a vegetação pré-existente, o historial de fogos, a severidade do fogo, as ações de gestão anteriores (e as planeadas), o tipo e qualidade dos solos, a disponibilidade de sementes no banco do solo, enfim… como em tantas coisas, cada caso é um caso e não há dois casos iguais.
Por isso, saber observar, perceber os riscos e as oportunidades, é essencial no planeamento de alguma ação de restauro para as áreas ardidas, caso se verifique essa necessidade.
As espécies de eleição
Quantas vezes se viu alguém a plantar ervas ou arbustos “rústicos” (urzes, sargaços…) numa área ardida? Nunca e, no fundo, ainda bem, porque estas são espécies que tipicamente se regeneram espontaneamente, ao cabo de poucas semanas, e que contribuem em grande escala para a proteção dos solos e a recuperação das comunidades nestas áreas.
No entanto, seriam estas que, na ótica das ações de plantação a curto prazo (que, como já se viu acima, não fazem falta na maioria dos casos) faria mais sentido plantar, por serem plantas pioneiras, precoces na sucessão ecológica.
Mas não. As espécies “heroicamente” plantadas nos solos ardidos, tantas vezes em zonas de solos pobres, esqueléticos e inaptos, são os nossos queridos carvalhos, santificados pela opinião pública, bem aproveitada pelos políticos e, como tal, primeira escolha para fazer um brilharete verde contra o negro do monte queimado.
Mas, coitados, pobres dos carvalhos… plantas exigentes em termos de solos; gostam deles férteis e profundos, nada de solos pobres e pedregosos, empobrecidos por recorrentes ciclos de fogos e erosão em montes agora, apenas aptos para os matos. Matos esses que são tão ricos em biodiversidade e em serviços de ecossistema como são desconsiderados pela “opinião pública”, sempre ansiosa pelo porte e grandeza das árvores.
Já as árvores, podem até estar presentes na área ardida, mas munidas de raízes velhas e profundas, são capazes de resistir a sucessivos episódios de fogo, restaurando o estrato arbóreo nas comunidades em regeneração de uma forma despretensiosa. Os pequenos carvalhos secos e definhados, esses, vão testemunhando o orgulho e ignorância dos homens que insistem em plantá-los.
O Autor
* Bióloga, pela Universidade de Aveiro, e desde a sua licenciatura que os temas relacionados com a Ecologia Florestal e de Vegetação têm sido o mote da sua curiosidade e atividade científica. Artigo publicado originalmente em Florestas.pt.
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