Com a pandemia em regressão, um pouco por todo o lado, assistimos ao desanuviamento e ao generalizado relaxar de medidas restritivas.
Por Acácio Gouveia *
A princípio era de todo justificado. Uma nova vacina, ainda que testada com rigor, aplicada massivamente a toda a toda a população, a começar pelos mais frágeis, justificava redobradas as cautelas.
Ele eram automacas de bombeiros à porta dos Centros de Vacinação Covid (CVC), ele era a presença de médicos, equipamento de reanimação e espaços destinados a prestar assistência às complicações graves, ele era a meia hora de vigilância pós-vacina.
Passado que é mais dum ano de vacinação contra a covid, e tendo sido já administradas mais de 21 milhões de vacinas a mais de nove milhões de cidadãos, reunimos acervo gigantesco de experiência e aprendemos. Aprendemos que a administração destas vacinas é duma inocuidade no imediato quase absoluta.
Muito precocemente deixamos de ter as ambulâncias estacionadas junto aos CVC. Com o tempo foi-se distendendo o ambiente nos amplos espaços, onde a quase totalidade dos portugueses e muitos dos estrangeiros que por cá residem passaram. De trinta minutos, passamos a quinze minutos o tempo de espera no pós-vacinação.
Só os médicos de família continuam arregimentados para os CVC. E para quê? Inicialmente justificava-se a nossa presença nos locais de vacinação. Eramos necessários para escrutinar os inquéritos individuais prévios à vacinação.
Alertamos para as possíveis reações tardias graves e sintomatologia respetiva. Desfizemos dúvidas dos renitentes. Interviemos nas raras situações de efeitos indesejáveis precoces. Aquando das segundas doses, o levantamento de reações adversas tardias justificava que fosse feito por médicos.
Mas, como vimos, muita água passou debaixo da ponte e o panorama é hoje totalmente diferente. Reações adversas imediatas graves: será preciso andar com uma dúzia de candeias para lhes descortinar rasto. A aura de solenidade, vagamente opressiva, das primeiras fornadas da vacinados desvaneceu-se.
Felizmente, tudo aquilo se tornou rotineiro, descontraído. Tudo mudou … menos a presença dos médicos de família que, de úteis nos primeiros tempos da campanha, passaram a autênticos bibelôs na atual fase da campanha. Tão indispensáveis como violas em funeral, por lá vagueamos como espantalhos, como se não houvesse nada para fazer nos nossos consultórios, nas USF e nas UCSP. Aí, onde somos mesmo necessários, continuam os doentes/utentes à espera de quem os cuide.
Com a pandemia em regressão, um pouco por todo o lado, assistimos ao desanuviamento e ao generalizado relaxar de medidas restritivas. Menos … no que toca à presença de médicos no CVC! Entra pelos olhos a dentro que há penúria de médicos de família.
Contudo, estranhamente, a tutela insiste em atribuir-nos tarefas sem valor acrescentado, debilitando ainda mais a prestação dos CSP e o prestígio dos MF. Este desperdício só leva a mais insatisfação e está longe de contribuir para a captação de jovens especialistas para o SNS.
Por quanto tempo teremos de suportar esta loucura?
Senhora Ministra acabe com este absurdo!
* Médico de família. Artigo publicado originalmente no site Healtnews.pt.
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