Infelizmente a “brejeirice da beira ria”, que reflecte a velha expressão “a língua portuguesa é muito traiçoeira”, parece estar a derivar para uma “vilhenice” de segunda categoria, para não dizer pior.
Por ahcravo gorim *
Estou vivo, tenho opiniões e escrevo-as.
Os painéis dos moliceiros têm sido objecto de estudo e até teses de doutoramento – caso de Clara Sarmento -, sendo as pinturas e as legendas objecto de classificação.
No livro ” Os Moliceiros da Ria de Aveiro – Quadros Flutuantes” , Clara Sarmento propõe a seguinte classificação : Jocosos (Eróticos, Instituições, Figuras típicas, Trabalho); Religiosos; Vida Quotidiana (Trabalho da Ria, Varinas, Mestres e seus Barcos, Apelos Ecológicos à preservação dos moliceiros, Festas e Cerimónias, Ditos e Conselhos); História e Personalidades (Monarcas, Descobrimentos, Escritores, Soldados e Cavaleiros, Personagens do imaginário e lazer).
Ana Maria Lopes no livro “MOLICEIROS” propõe : Amorosos; Eróticos (Maliciosos); Patrióticos; Históricos; Profissionais; Folclóricos; Desportivos; Quotidiano.
Diamantino Dias, no site Aveiro e Cultura (http://ww3.aeje.pt/avcultur/avcultur/DiamDias/Diversos/ConcursoPai.htm) propõe: Satíricos; Amorosos; Profissionais; Religiosos e Patrióticos.
A preservação deste património terá levado, inclusivamente, à criação dos concursos de painéis em Aveiro por iniciativa do vereador Arnaldo Estrela Santos, em data anterior a 1957 – segundo Diamantino Dias – e na romaria do São Paio, na Torreira.
A predominância dos painéis “Jocosos” ou “Eróticos” em relação aos restantes, verificada nos últimos anos, terá a ver, segundo o pintor José Oliveira, com os prémios pecuniários atribuídos pelos júris e que recaíam normalmente sobre estes. Facto que terá levado o dono de um moliceiro a dizer “pró ano é gajas, o que eles querem é gajas” (cito José Oliveira).
Mas “Jocosos” ou “Eróticos” respeitavam sempre aquilo a que habitualmente se designa por “brejeirice da beira ria”, caracterizada pelo duplo sentido, pelo subentendido, pela “riqueza de interpretações de uma frase”, a que a pintura empresta mais uma interpretação dúbia, não sendo explícita, nem “para maiores de 18 anos”.
Infelizmente a “brejeirice da beira ria”, que reflecte a velha expressão “a língua portuguesa é muito traiçoeira”, parece estar a derivar para uma “vilhenice” de segunda categoria, para não dizer pior. Se a legenda é de duplo sentido, a pintura é de muito mau gosto, de leitura única e desaconselhada “para todas as idades”.
Em 2019 surgiu o primeiro painel com estas características, em 2020 já foram dois. por este andar onde vamos acabar?
Não sei qual foi a classificação do júri para os painéis em causa, nem li quaisquer reparos a tais pinturas.
Enfim, se é triste verificar que o empobrecimento dos motivos decorativos dos painéis tem a ver com as decisões do júri na atribuição dos prémios pecuniários, não podemos deixar resvalar os desenhos/pinturas para, desculpem-me o termo porque forte, a “ordinarice”.
Nota : não reproduzo os painéis em causa por motivos óbvios.
* Mestre de artes e ofícios https://ahcravo.com | https://www.youtube.com/user/ahcravo/