Atraído pelo apito do comboio que lhe insuflava a alma, e no caminho dos outros seminaristas desta diocese de Aveiro, chegou a Lisboa, fez-se teólogo e os fios da batina tornaram-se vermelhos e a faixa acompanhou a cor: era um teólogo! Regressou a Aveiro e o sr. Bispo D. Manuel de Almeida Trindade fez dele sacerdote desta diocese (1969).
Padre Manuel J. Rocha *
A vida nunca é fácil de descrever já que ela percorre tantos caminhos, alguns até caminhos sem saída, ou estradas abertas e largas, mas também com curvas e contracurvas, com descidas e subidas que só o tempo e as circunstâncias de cada momento nos levam a olhar, às vezes a parar para contemplar e a tentar dizer alguma coisa sobre ela, mas nunca a descrevê-la. Ficar aí seria empobrecer a vida.
O essencial da vida é para ser vivido e sorvido em finos goles, compassados com o tempo, de modo a poder saboreá-la em cada momento, gota a gota até ao fim, livre de amarras ou de prisões. Nas coisas da vida, “só se vê bem com o coração…”. E Einstein concluía: “Só há duas maneiras de viver a vida: a primeira é vivê-la como se os milagres não existissem. A segunda é vivê-la como se tudo fosse milagre”. Assim foi a vida do P.e João Gonçalves.
Fez-se gente lá para os lados das Gafanhas (a do Carmo) e cedo descobriu o caminho que o poderia levar ao Seminário de Aveiro. Foi aí que cresceu, recebeu uma batina preta com fios revestidos de azul a condizer com a faixa que lhe amarava a cintura: era um filósofo! Atraído pelo apito do comboio que lhe insuflava a alma, e no caminho dos outros seminaristas desta diocese de Aveiro, chegou a Lisboa, fez-se teólogo e os fios da batina tornaram-se vermelhos e a faixa acompanhou a cor: era um teólogo! Regressou a Aveiro e o sr. Bispo D. Manuel de Almeida Trindade fez dele sacerdote desta diocese (1969).
Foi sacerdote! E assim serviu a Igreja nos mais variados ministérios desde a vida paroquial, passando pela liturgia, até à pastoral socio-caritativa e por aí gastou as suas forças até ao dia que o Senhor da Vida o chamou para junto de si – ainda seria cedo? – depois de o ter provado, como o ouro no crisol, durante longos cinco anos, até fazer dele um dos seus escolhidos a quem chamou para junto de si com um convite assinado: “Vinde benditos de meu Pai…”.
E morreu (2020)!
Falar hoje dele é recordar o padre bem-disposto, o padre amigo, de gargalhada fácil e acolhimento imediato. O homem para quem não havia impossíveis e para tudo, e para todos, tinha uma resposta independentemente da ocasião ou da hora ou da situação. Um padre presente. Um padre amigo. Um padre conselheiro. Um padre livre.
Assim é a vida do P.e João!
Para terminar, veio-me à cabeça um texto que recordo muitas vezes e que hoje não me dispenso de citar; é de Baden Powell, o fundador do Escutismo, na sua última mensagem: “Creio que Deus nos colocou neste mundo encantador para sermos felizes e apreciarmos a vida. A felicidade não vem da riqueza, nem simplesmente do êxito de uma carreira, nem dos prazeres…” E mais adiante: “Contentai-vos com o que tendes e tirai dele o maior proveito que puderdes. Vede sempre o lado melhor das coisas e não o pior. Mas o melhor meio para alcançar a felicidade é contribuir para a felicidade dos outros. Procurai deixar o mundo um pouco melhor de que o encontrastes e quando vos chegar a vez de morrer, podeis morrer felizes sentindo que ao menos não desperdiçastes o tempo e fizestes todo o possível por praticar o bem”.
Um lindo epitáfio para este padre, um padre livre de prisões.
* Livro “Padre João Gonçalves – Memórias Biográficas: 1944-2020” que reúne 44 testemunhos de amigos do sacerdote falecido. Apresentação dia 21 de dezembro, pelas 21:00, no Seminário Santa Joana Princesa, em Aveiro (mais informações). O livro está à venda na Livraria Santa Joana ([email protected] | 234421570).
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