“The Ministry for the Future” (2020) é um romance de ficção científica e climática, da autoria do escritor norte-americano Kim Robinson. Situado num futuro próximo, o enredo inicia-se com uma onda de calor catastrófica na Índia que origina milhões de vítimas.
Por Carlos Sezões *
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Este evento desencadeia a formação de um “Ministério do Futuro”, entidade cuja missão é agir como defensora das futuras gerações de cidadãos do mundo, assumindo que os seus direitos serão tão válidos como os das gerações atuais. Prosseguindo vários projetos, o dito “Ministério” opera sob a alçada das Nações Unidas e esforça-se por enfrentar a crise climática urgente e a transição para fontes de energia renováveis com medidas inovadoras – em campos como a geologia, a engenharia, as finanças e a incontornável pressão política. Explorando uma série de questões globais interligadas (economia, ciência e ética), o enredo mostra a complexidade e a dinâmica de poder entre as nações e os desafios da implementação de mudanças sistémicas.
Parto desta incursão literária e penso (e não, não sou o primeiro a fazê-lo) que um “Ministério do Futuro”, com agenda transversal e um foco multigeracional, faria todo o sentido num governo atual. Em Portugal como em qualquer outro país do mundo.
Teria, na minha ótica, três grandes missões. Primeiro, praticar o chamado “strategic foresight” (traduzível, de forma imperfeita, como “previsão estratégica”), com o fim de recolher e processar informações sobre o futuro “ambiente” no qual iremos viver. Esta informação pode incluir, por exemplo, tendências e desenvolvimentos em termos políticos, económicos, sociais, tecnológicos, ambientais ou legais.
Em segundo, a análise e planeamento de cenários: considerar possíveis eventos futuros e combinações de variáveis-chave (por exemplo, inovação tecnológica e evolução sócio-cultural) para que se possam desenvolver os ditos cenários e respetivos graus de probabilidade. E, em terceiro, como corolário lógico, planos ou linhas estratégicas de atuação com vista a endereçar eficazmente os desafios desses futuros alternativos. Aplicações? Imensas! Nos tempos que correm, para além das alterações climáticas e transições energéticas mencionadas, a evolução das tecnologias de informação e computação (e a inevitável AI), a demografia, com as variáveis longevidade e migrações, os “estados sociais” e o seu financiamento futuro, as evoluções geopolíticas e as cadeias de abastecimento globais. Entre outros.
Apesar do conceito de “Ministério do Futuro” não estar implementado como tal, alguns governos e organizações internacionais desenvolveram programas com objetivos semelhantes, centrando-se em políticas para o futuro.
Um primeiro exemplo foi a criação, pelos Emirados Árabes Unidos, de um Ministro de Estado para Inteligência Artificial, em 2017. Esta função visa integrar a AI nos serviços governamentais, demonstrando um foco em tecnologias futuristas com impacto social. A Finlândia também desenvolveu, ainda na década de 90, o seu Comité para o Futuro – no seio do Parlamento do país. Funciona como um think tank para políticas nacionais científicas e tecnológicas.
Da mesma forma, Singapura tem sido um exemplo de visão de futuro nos seus modelos de governance, com várias iniciativas – como o Centre for Strategic Futures (CSF), que explora tendências emergentes e desafios estratégicos que poderão moldar o futuro desta cidade-estado. Para terminar, a Comissão Europeia já iniciou projetos voltados para o futuro, como o “New European Bauhaus” (que combina sustentabilidade, estética, inclusão e tecnologia) ou o recente 2023 Strategic Foresight Report.
E em Portugal? Quem presta atenção à “bolha mediática”, notará que a política e os seus respetivos atores estão concentrados no curto prazo, nas reivindicações dos grupos de pressão e na agenda do dia a dia. O médio/longo prazo pouco ou nada lhes interessará, porque não sentem incentivos (eleitorais) para tal.
Apenas uma maior consciência cívica e a devida pressão social serão argumentos para que os temas do futuro passem a estar no topo da agenda. E como somos, culturalmente, tão reverentes aos Governos e aos Senhores Ministros, a solução mais prática será mesmo… um Ministério do Futuro, se faz favor!
* Presidente da plataforma Portugal Agora https://portugalagora.com. Artigo publicado originalmente no site https://linktoleaders.com.
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