Diogo Valente, 30 anos, constrói artesanalmente instrumentos de corda que aliam tradição e design na sua oficina em Avanca, Estarreja, já visitada pelo músico Júlio Pereira.
É músico. No entanto, os seus estudos também andaram por outras áreas, não é assim ?
A música sempre teve um papel importante na minha vivência. Aprendi a tocar guitarra, mas não tive nenhuma formação especializada. Não me considero um músico, tive os meus projectos e divirto-me a dar os meus toques, mas nada de muito sério sinceramente.
Inicialmente a minha formação foi na área das Ciências, tendo em conta a preocupação no meu futuro profissional, na altura era a área com mais saída. Fiz a licenciatura em Prótese Dentária, um curso de Saúde onde os trabalhos manuais imperam, mas não fiquei satisfeito com o trabalho e decidi seguir algo mais criativo, algo que sempre preferi, formando-me em Design de Producto. Ambos os cursos contribuíram imenso para o ofício que pratico actualmente.
Como começa a reparar e construir instrumentos de corda ?
Desde sempre tive uma enorme vontade e alguma predisposição para os trabalhos manuais, bem como um afecto à madeira, sendo que quando juvenil esculpi os meus próprios didgeridoos, mas só quando fui trabalhar, como designer, para uma empresa productora de cordofones, é que o bichinho pegou a sério.
Qual foi a primeira experiência ?
Surgiu-me a vontade de construir uma sanfona. Nunca tinha tocado numa, mas a vontade era de tentar. Então recolhi restos de madeira que iam para a fornalha da fábrica onde trabalhava, requisitei outros bocados, comprei algumas ferramentas manuais, pesquisei imenso, e na varanda da casa onde residia, fui tentando que o projecto fosse mais que uma vontade.
Sorte ou não, a sanfona lá tocou (se bem que com uma qualidade inferior ao mediano), mas para mim a análise do resultado era outra: tinha descoberto algo que gostaria de fazer todos os dias e se eu consegui chegar até ali sozinho, se tivesse algumas dicas de um violeiro a sério, podia colmatar muitas falhas e tornar-se uma ideia sustentável.
Arriscou mais e surgiu a Instrumentos Valente.
Saí da empresa onde estava e decidi arriscar. Agradeço imenso aos meus pais todo o apoio que me deram desde sempre, especialmente nesta decisão.
Foi então que um casal amigo (Dida e Sampaio da Taberna Subura, em Braga) que me apresentou aquele que considero o meu mestre, o José Gonçalves, “Violeiro da Cónega” (Braga), e mais ainda, um bom amigo. Não aprendi ao trabalhar com ele, pois quando o conhecera já eu estava de saída de Braga, mas aprendi imenso ao conversar com ele e ao vê-lo a trabalhar nas várias visitas que lhe fiz. Estou-lhe muito agradecido, porque se não fosse ele acreditar em mim e partilhar muito do seu conhecimento experiente, tudo isto não passara de um esboço. Actualmente recebo também apoio muito significativo de outro grande construtor, de um ramo mais histórico da arte violeira, o Orlando Trindade, a quem deixo um enorme obrigado também.
Que instrumentos constrói na sua oficina ?
Cavaquinhos rurais e urbanos, machetes, braguesas, cavaquinhos brasileiros, guitarras, entre tantos outros cordofones pulsados e/ou tangidos. É nesta tipologia que me sinto confortável a criar, mesmo os instrumentos que nunca tenha construído anteriormente.
Constrói modelos preconcebidos ou é por encomenda ?
Construo por encomenda, embora os modelos mais baratos estejam praticamente predefinidos por optimização de recursos.
Existem modelos personalizados, idealizados, à medida do que pedem os clientes ?
Todos os modelos podem ser completamente personalizados, mas é sempre feito o acréscimo consoante o tipo de serviços adicionais
O que é mais exigente na actividade ? O tipo de materiais, por exemplo?
As partes mais exigentes são o estudo e a análise contínuos, bem como o domínio das técnicas e dos utensílios.
Em relação aos materiais, dependem sempre da gama pretendida num instrumento. Os tampos: espruce, abeto, cedro, etc.; os braços: mogno, falsos mognos, acer, nogueira; a escala e o cavalete, normalmente de madeiras densas: pau santo, ébano, pau ferro; o fundo (costas) e as ilhargas (laterais), consoante o timbre e a estética pretendidos: mogno, nogueira, acer, pau santo, ébano, ziricoté, cocobolo, etc.
Os músicos acompanham andamento da construção ?
Claro, embora goste e precise de ter o meu espaço a trabalhar, mas dou essa hipótese especialmente aos clientes de instrumentos de gama elevada. De momento só tenho clientes portugueses, embora já tenha surgido propostas estrangeiras.
Estamos a falar de peças artesanais ou existem peças pré-fabricadas, por assim dizer?
Aqui na oficina é tudo feito à medida, à mão ou com recurso a ferramentas manuais. Só as cordas, os trastos e os estojos é que não sou eu a produzir.
Os instrumentos são de construção demorada ? O que é mais difícil?
Sim, demoram em média um mês e meio a serem acabados. A parte mais difícil é consciencializar os clientes de que os instrumentos produzidos são constituídos por materiais “vivos”, interactivos para com o meio, daí que avise todos os clientes para terem algum zelo para com eles, sejam eles luxuosos ou económicos.
Para todas as bolsas ?
Não considero nenhum dos modelos caros, todos merecem o seu valor, sejam eles da gama económica ou da luxuosa. Cada vez mais temos facilidade em adquirir instrumentos musicais a preços acessíveis, onde por vezes a qualidade é posta de parte pela quantidade, e assim a essência do artefacto é desvalorizada.
Um instrumento musical deve ser construído para uma vida, para a partilha e para a criação, em vez de ficar encostado a uma parede húmida de casa ou ao sol de uma janela, para esse efeito existem inúmeras alternativas.