Um “até sempre” a Sidónio de Sousa

1929

Sidónio de Sousa, enquanto viticultor e produtor de vinho, fez parte do grupo dos grandes Baga Clássicos.

Por Luís Lopes *

A notícia apanhou-me em viagem e, ainda por cima, com atraso de dois dias: “morreu o senhor Sidónio”. Conheci Sidónio de Sousa no inverno de 1989, quando dava os primeiros passos na escrita de vinhos. Aquela que se tornaria em pouco tempo uma das mais prestigiadas marcas de vinho da Bairrada era ainda, na altura, um segredo bem guardado, só ao alcance da sua família, de um grupo de amigos e das caves da região que sabiam ali encontrar tintos de excelência para comprar a granel. O seu 1985, ao ganhar o ambicionado prémio de Melhor Vinho Tinto da então Junta Nacional do Vinho, foi o estímulo que faltava para iniciar o engarrafamento com a sua marca. Tive a sorte de, ao longo dos anos, ir bebendo várias garrafas deste 85, de um engarrafamento privado, e ainda hoje se mostra grandioso.

Sidónio de Sousa, enquanto viticultor e produtor de vinho, fez parte do grupo dos grandes Baga Clássicos, feitos em lagar, com engaço e sem madeira nova, e que na década de 90 tinham como máximos expoentes, para além dele próprio, Casa de Saima, Quinta das Bágeiras e Quinta de Baixo. Os seus primeiros Garrafeira (88, 89, 90…) aliás, nem madeira usada tinham, eram estagiados em cimento.

Autor de alguns dos melhores Bairrada de sempre, Sidónio de Sousa foi grande também na afabilidade e companheirismo, amigo do seu amigo.

O vinho que ilustra estas palavras, não foi escolhido por acaso. O Garrafeira 1997, por algum descuido habitual na época, fez parte da maloláctica na garrafa e tem um ligeiro gás. Há dois anos, apresentei uma dessas garrafas a um dos mais famosos enólogos e produtores de Bordéus, que se mostrou algo escandalizado quando me viu sacudir o vinho no decanter para tirar o gás. Quando o provou, porém, ficou sem pio. E só abriu a boca para humildemente dizer que de Baga Clássico nada sabia e, de lágrimas nos olhos, reconhecer ter vivido uma experiência única, acrescentando que este 97 estava bem acima dos Premier Grand Cru da mesma idade que tinha colocado na mesa.

É também de lágrimas nos olhos que, hoje, vou abrir esta garrafa em memória do saudoso Sidónio de Sousa. Até sempre, Senhor Sidónio.

* Diretor da revista Grandes Escolhas (reprodução com a devida vénia / versão original publicada no site da revista Grandes Escolhas).

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