Turismo: Onde está o Talento?

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Restauração.
Natalim3

A escassez de recursos humanos no Turismo é o ponto de partida para um artigo em que o diretor da Escola de Hotelaria e Turismo do Porto se debruça sobre as causas da falta de profissionais e as soluções que permitam fazer face a esta situação, não apenas no imediato mas em termos de futuro.

Por Paulo Morais Vaz *

Nunca, como até agora, se sentiu mais a falta de pessoas nos nossos sectores (Hotelaria, Turismo e Restauração), não só no nosso país, mas também no resto do mundo ocidental.

E não, não se trata de clientes, hóspedes ou comensais, mas sim de (e agora começa o exercício de semântica…) trabalhadores, assalariados, contratados, subordinados, mão-de-obra, funcionários, colaboradores, recursos humanos ou agora, a palavra da moda… “Talentos”!

A enumeração dos termos acima alinha com uma evolução dos mesmos numa perspectiva politicamente correcta, talvez com a intenção de não ofender quem trabalha, digo…! Na realidade, e ainda na minha opinião, é apenas uma tentativa de, recorrendo a eufemismos, alterar a percepção das pessoas relativamente ao seu papel nas empresas e organizações.

Seria interessante analisar esta perspectiva, mas tal temática ficará para um próximo artigo (se é que depois deste alguém me volte a pedir um…). Apenas deixo um pensamento que recorrentemente me ocorre quando oiço em quase todos os fóruns, media e ambientes: a utilização do termo “Chef” quando se referem a um cozinheiro! Como assim? O termo em causa (que até tem uma tradução relativamente fácil para a nossa língua, e que recordo, é “Chefe”) diz respeito a uma função: a da chefia de uma secção, com a inerente responsabilidade e retorno. E não a uma profissão, porque essa é a de Cozinheiro.

Já agora, mais uma nota sobre esta tendência, que transforma uma tribo (a dos cozinheiros) num grupo em que todos querem ser Chefes (mas só alguns o são de facto, enquanto a grande maioria o será apenas no título), mas ninguém quer ser (permitam-me o uso da rica tradição proverbial popular) “Índio”!

Mas voltando ao nosso tema; seria expectável que, depois do período que atravessamos, em que a realidade se sobrepôs ao (pior do) inimaginável, o regresso à actividade fosse entusiástico e dinâmico. E foi, mas não para aqueles a quem cabe assegurar a produção e entrega dos produtos e serviços que caracterizam e distinguem o nosso sector.

No que toca a estes últimos, já muito foi dito, e continua a sê-lo, sobre esta questão. Argumentos como o impacto dos baixos salários (que algumas entidades insistem em negar existir), de horários desajustados e longos, da falta de tempo para projectos individuais ou outras atividades, da incapacidade de identificação com os propósitos das organizações, da vontade de ter outras experiências. Tudo isto serve para explicar o afastamento das pessoas do sector, em particular das gerações mais novas. Mas, estranhamente, mesmo as empresas que têm vindo a realizar um esforço de colmatar estas questões, oferecendo condições e enquadramentos alinhados com estas perspetivas, não têm tido sucesso na captação dos trabalhadores que necessitam para a sua operação, pondo assim em causa o sucesso do seu investimento, e mesmo do funcionamento normal no dia-a-dia.

Ora, é este desajuste que me leva a pensar que apesar de termos gerações mais novas, mais bem preparadas do que quaisquer outras, também estamos perante as gerações com menor disponibilidade para o sacrifício e para o esforço que representa esperar que o tempo corra nos seus próprios termos. É notória a volatilidade com que passam de um projecto a outro, muitas das vezes sem esperar a consolidação de resultados ou a simples avaliação dos mesmos, ou mesmo a disponibilidade para integrar nos seus modelos inputs de outros, ou de outras e novas experiências. Como é sabido, este tipo de abordagem faz com que nunca nada sirva, interesse ou motive, originando o afastamento entre as empresas e os seus potenciais clientes internos (ainda mais um eufemismo!).

Nem sequer o aspecto financeiro é um factor de pressão que “aproxime” as partes. E sobre este tema deixo uma nota que nos fará divergir do tema por um curto parágrafo.

As famílias portuguesas são, por norma, muito protetoras dos seus mais jovens e tudo fazem para lhes assegurar um conforto mínimo em termos financeiros, havendo sempre um parente simpático que oferece uma ajuda, por norma à 6ª feira “para o fim de semana!”; simultaneamente têm sobre o conceito de “serviço” uma versão muito própria (e culturalmente explicável) confundindo-a com “servilismo”, condicionando os seus jovens a não procurarem trabalhos no sector (não conheço as estatísticas – tampouco sei se existem – nas gostava de saber qual a percentagem de alunos universitários que trabalham, e desses, quantos no nosso sector?). Quantas famílias já me disseram que não tiveram um filho para que andasse a servir os outros. E nem a simples explicação de que todos servimos todos é aceite, ou pelo menos objecto de uma análise um pouco mais detalhada e profunda.

Que soluções dispomos para fazer face a esta situação?

Esta é a “one-million-dollar question!”, para a qual tantos já contribuíram com sugestões.

A imigração é uma delas, claramente a que mais rapidamente colmatará o problema, mas que não o resolverá a médio-longo prazo. O sector precisa de melhorar as suas condições, de ficar equiparado a outros sectores para poder manter os seus activos e não os perder para outras áreas económicas, ou mesmo países.

A captação de colaboradores noutras sectores económicos é outra das hipóteses, mas para tal, e de novo, antes é preciso oferecer mais e melhor do que aquilo que já existe! Ah, e já agora alterar a forma como as empresas comunicam as suas necessidades de recursos humanos, pois normalmente apenas comunicam as suas exigências, sem quaisquer referências ao que oferecem e poderia motivar e incentivar alguém a responder-lhes!

Uma terceira hipótese seria o recurso a cidadãos em situação de reforma, mas ainda disponíveis e aptos a desempenhar estas atividades, ainda que em regime de part-time, ou outros. São certamente um público com dimensão relevante, tal como são os estudantes universitários… a todos estes podemos ministrar formações técnicas para uma rápida inserção no mercado de trabalho.

Independentemente dos públicos que quisermos atrair ao nosso fantástico sector, uma coisa é certa e segura, se a nossa proposta de valor (seja salário, condições de trabalho, horários, reconhecimento social, …) não for atraente, eles não virão ter connosco e nem sequer ficarão com “a pulga atrás da orelha” para tentarem conhecer-nos um pouco melhor.

Estamos, de facto, perante um momento grave em que as empresas não conseguem reunir equipas capazes de as fazer operar com normalidade, crescer e evoluir de forma a garantirem a sua sobrevivência e futuro, ficando posto em causa o futuro de um sector de particular relevância para o país e para o mundo. Temos de mudar a forma como olhamos para as responsabilidades de cada um de nós, do Estado, no plano macro ao Individuo no plano micro. Temos de criar a sociedade, que já é por tradição hospitaleira, numa sociedade verdadeiramente orientada para o serviço e para a excelência e para tal temos de o fazer desde os bancos da escola, onde todos aprendem a relevância e importância de cada um enquanto parte de um todo, que funciona de forma a assegurar o bem-estar de cada um e de todos.

Na Escola de Hotelaria e Turismo do Porto, e fruto dos nossos mais de 50 anos de experiência, compreendemos que um dos principais motivos que atraem pessoas ao nosso sector é a PAIXÃO! Numa tentativa de responder a essa força e às necessidades contemporâneas que o serviço de mesa evidencia, desenhamos um conceito que estamos a implementar nas nossas ações de formação, quer de Bar quer de Restaurante.

O conceito, que se denomina SMART, consiste numa prestação com gestos Simples, Moderna na componente equipamentos e materiais, numa atitude Acolhedora e Risonha, finalmente suportada por uma Técnica exata e adequada.

O SMART Service, mais do que se sentir, experiencia-se… e permite a quem dele usufrui ficar com o sentimento de que apenas o que era relevante no momento aconteceu, ficando com uma imagem para memória futura positiva e motivante.

Servir é dos atos que mais satisfação nos pode trazer, pois implica colocar todo o nosso conhecimento, experiência e empenho ao serviço do outro, para seu benefício, fruição e apreciação, evidenciando o que de melhor somos e o quanto prezamos os outros, a quem servimos, com a Honra e a Nobreza que Servir implica!

* Diretor da Escola de Hotelaria e Turismo do Porto. Artigo originalmente publicado pelo site Turisver.

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