Nas nossas sociedades fundadas no estado de direito, a justeza do contrato de trabalho fica viciada com as desigualdades de remuneração abissal entre os trabalhadores e os gestores.
Por Jorge Teixeira da Cunha *
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O trabalho humano é o centro da questão social. Este assunto é inesgotável… E desde logo ressalta a evidência de que não há trabalho digno sem salário justo. A exigência de justiça no salário, antes de mais, é uma questão de justiça comunitária, quer dizer decorrente do contrato estabelecido entre o empregado e o empregador. Esta é a exigência primeira: que o trabalhador beneficie de uma parte substancial do produto do seu trabalho e a administre diretamente.
Nas nossas sociedades fundadas no estado de direito, a justeza do contrato de trabalho fica viciada com as desigualdades de remuneração abissal entre os trabalhadores e os gestores. Noutras zonas do nosso mundo global, pode-se dizer que há uma evidente permanência do trabalho escravo, dada a diferença entra o produto do trabalho e o valor comercial dos produtos que são produzidos num lugar e comercializados noutro bem distante. A exigência de uma proximidade entre o produto do trabalho e o valor do salário é, pois, muito diferente de região para região do mundo. Mas ela continua a ser uma exigência fundada na justiça e o seu desrespeito continua a ser um pecado que brada aos céus.
Importante é também a exigência de que o produto do trabalho seja administrado pelo trabalhador. Este ponto é importante quando se trata de condenar a escravatura ou quando se trata de pensar o chamado Estado Social. No caso da escravatura, é o possuidor que administra o produto do trabalho. No caso das nossas sociedades desenvolvidas europeias, fomos capazes de criar condições de redistribuição, que correspondem, por sua vez, a exigências de justiça, não já comutativa, mas justiça social. Ora aqui nasce um novo problema. Nos dias que correm parece estar a emergir uma nova forma de injúria feita aos trabalhadores que consiste em retirar-lhes a administração do produto do trabalho.
De facto, o dador indireto do trabalho administra uma fatia que já ultrapassa metade do produto do trabalho. Este dador de trabalho indireto é o Estado e são outras corporações que têm grande poder para dispor da vida alheia. Por isso, temos uma nova forma de luta pelo salário justo que consiste em reivindicar para o trabalhador a administração do produto do seu trabalho. Isso implica, desde logo, uma luta pelo aumento generalizado dos salários, diminuindo as margens dos empregadores e os montantes das contribuições para o Estado. Dizer que o salário deve ser suficiente para manter o trabalhador e a sua família (Rerum Novarum – 1891), hoje, é dizer que as famílias devem gerir uma parte cada vez maior dos custos com a educação e com a saúde. Esta opção de fundo justifica-se para obstar a que estejamos a ser explorados por grupos poderosos que pensam a escola e a saúde segundo os seus interesses corporativos e não segundo a razão compartilhada.
Este último problema terá, a nosso ver, uma preponderância cada vez maior no ordenamento democrático das sociedades do futuro. Importa salvaguardar a ideia de que a redistribuição é uma forma indiscutível de justiça. Não queremos voltar ao passado dos trabalhadores desamparados na doença, no desemprego ou na velhice. Mas não queremos também ser manipulados como estamos a ser pelas corporações de hoje que se aproveitam do produto do nosso trabalho para, nas escolas ou nas nossas instituições de saúde, promoverem opções éticas indefensáveis, ou para promoverem políticas agressivas e beligerantes, segundo o bel-prazer de líderes iluminados. Novas formar de defesa do indivíduo são de começar a garantir e a promover, como a objeção fiscal ou a refundação do Estado social na base de opções éticas mais universais.
* Artigo publicado originalmente no site Solidariedade.pt.
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