“Tenho duas mil fotografias inéditas para novos projetos”

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Rui Bela, à esquerda, acompanhado do capitão Valdemar Aveiro.

O realizador ilhavense Rui Bela fala sobre o documentário premiado  “Nos mares da memória, estórias de uma Faina maior” que assina com o seu conterrâneo Senos da Fonseca, guionista.

De onde vem o interesse pela pesca do bacalhau ?
Bem, o mar está-me no sangue, o que acontece pela ligação familiar. O mau pai andou mais de 30 anos na pesca à linha e do arrasto, o meu avô, primos, toda a família esteve ligada ao mar. Daí nasceu o interesse em preservar artigos, preservar a memória, conhecer melhor as aventuras que tiveram por aqueles mares. Desde muito cedo, aos 10, 12 anos, comecei juntar coisas sobre a pesca do bacalhau.

Por exemplo ?
O meu primeiro trabalho destes foi um documentário, em 1989, com meios muito rudimentares, com cerca de uma hora, que se chama “A glória desta Faina”. Pensei que não fosse ter impacto nenhum, mas na realidade foi o grande impulsionar para que no ano seguinte nascesse um sector sobre a pesca à linha de bacalhau num museu que nada tinha relacionado com isso. Foi desde muito cedo que o mar entrou no sangue.

Estamos a falar de preservar imagens que são raridades?
Sim, trabalho com imagem há 40 anos a preservar a memória audiovisual. Falamos de tempos em que não existiam os meios tecnológicos atuais. Encontramos fotografias excepcionais do tempo da pesca à linha do bacalhau, ficamos pasmados. Hoje têm um impacto monumental. Um veleiro, um lugre bacalhoeiro, tem uma beleza própria. Foi uma das frotas bacalhoeiras maiores do mundo, é das mais bonitas sem dúvida. De centenas de barcos, restam-nos o Creoula, o Santa Maria Manuela e o arrastão Santo André, hoje navio museu. O Gazela I está nos EUA, preservado e a navegar.

Como começou a fazer o arquivo?
A preservação das imagens é algo de fundamental. Nos primeiros tempos tive de andar a pedir a colaboração de quem andou no mar, das suas famílias, espólio do meu pai. Isso tudo ajudou muito a fazer “Nos mares da memória, histórias de uma Faina Maior”são 30 anos de trabalho para fazer este documentário.
Exigiu um trabalho de criação de arquivo muito grande, não tem preço, tem mesmo de ser por amor à arte.
A imagem é algo que devemos preservar e ao fazer um trabalho destes surgem imagens novas. Neste momento já tenho um espólio fotográfico que não tinha antes do documentário, existe um espólio completamente novo.

Recorreu a memórias vivas, testemunhos de quem andou na pesca do bacalhau nas épocas retratadas mais recentes?
Os trabalhos conhecidos não eram rigorosos do ponto de vista técnico, transmitindo o que se passou na pesca do bacalhau. Temos testemunhas que colaboraram com o nosso trabalho, nomeadamente o capitão Valdemar Aveiro, o capitão Vitorino Ramalheira, o capitão Marques da Silva, o capitão David Marques, pessoas que colaboraram com muitos detalhes técnicos. Só mesmo quem andou lá. Lembro ainda o falecido capitão Francisco Marques, que foi diretor do Museu Marítimo de Ílhavo.
É um motivo de muito orgulho. Fiz o trabalho e depois submeti-o a olhares muito críticos, fiquei surpreendido com a reação muito boa.
São cinco séculos de história, é sempre complicado quando recuámos a matérias que eram reservadas, segredo de Estado, ou não foram à data bem documentadas. Dos poucos heróis que estão vivos tivemos a felicidade de os ouvir para não ter erros.

Os prémios são uma surpresa para si ?
O que me está a surpreender é a reação fora de portas. Nós não damos valor à nossa história, nem soubemos preservar a frota bacalhoeira. Os estrangeiros têm uma receptividade enorme, porque, no fundo, o documentário retrata uma história pouco conhecida, um grande feito, provavelmente um dos maiores feitos antes dos Descobrimentos. É inacreditável como os pescadores portugueses chegaram aos mares da Terra Nova e da Gronelândia. Não sabemos vender esta imagem, os feitos dos portugueses. Apesar de não estar a contar com isso, este documentário de uma hora venceu festivais em Bracelona, no Alasca e no Porto, estando selecionado para mais uma dezena.
Não deixa de ser interessante, participei anteriormente apenas uma vez num festival, há cerca de 30 anos, em Castelo de Vide. Ganhei e nunca mais participei. Foi quando os festivais de vídeo começavam a nascer em Portugal, aliás também dei o meu contributo no primeiro, com o Ilhavídeo, no Museu Marítimo.
Agora convenceram-me a participar nos festivais, temos levado a conhecer os feitos de Portugal, de todo o litoral retratado pelas suas comunidades piscatórias, tem sido um veículo de promoção histórica e do turismo pelo mundo inteiro onde está a ser exibido.
Se não houver a preocupação de preservar as memórias perdemos, por exemplo o que é contado na primeira pessoa. Outra consequência boa, é que graças ao documentário, aos contactos estabelecimentos, tem sido angariar peças originais para o espólio do Gil Eanes, o navio hospital que está preservado em Viana do Castelo.

Ainda é possível encontrar documentos não conhecidos, imagens inéditas ?
Existe muito material absolutamente fantástico, tenho descoberto materiais em casa de pessoas que vou conhecendo de ficarmos admirados, fotografias de riqueza impressionante, por exemplo. Colaboro com colecionadores mundiais. Tenho duas mil fotografias inéditas para novos projetos, um trabalho por amor à arte, com muita dedicação grande para não estragar o que chegou até aos nossos dias. Até películas de cinema que estamos a recuperar. Tenho conseguido centenas de documentos depois da exbição do filme.

Para quando a exibição nas televisões portuguesas ?
Este tipo de documentários tem receptividade muito boa nas televisões estrangeiras, nas portuguesas não. Já fiz abordagens,  inclusivamente junto da RTP, não há interesse por este trabalho inédito e reconhecido no estrangeiro. Mas os canais portugueses não demonstram interesse, também não tenho tempo e paciência de andar atrás deles. Do estrangeiro surge interesse. Portugal deveria dar mais valor a estas produções.