Com certeza que haver bicicletas à disposição dos munícipes é algo positivo, mas para que isso não seja um mero anúncio pré-eleitoral é preciso fazer mais. Há uma regra fundamental para a adesão a uma nova tecnologia, se não é prática ou não tem vantagens, ninguém a utiliza.
Por Carlos Filipe Da Silva Costa *
Após estudar o sistema e com algumas respostas na assembleia municipal do 29 de Junho de 2021, tenho sérias dúvidas sobre o sucesso do projeto que deveria ser a adesão dos munícipes à bicicleta como meio de transporte.
O sistema pelo qual o executivo da Mealhada optou é um sistema dito de “estação de bicicletas” que é uma opção razoável para uma cidade do tamanho da Mealhada. Este sistema facilita a gestão. Por oposição às “bicicletas livres” acionadas por App, tem a vantagem e o defeito de deixar as bicicletas em qualquer lugar, às vezes sem respeito para os outros usuários das vias públicas. O uso da bicicleta é gratuito (5 anos) e limitado a 2h. Pois, não queremos que as bicicletas públicas se tornem privadas.
Para acompanhar este projeto há um site Mealhada Bike Lab onde se podem ver vários estacionamentos para bicicletas e as ciclovias. O projeto é dito “participativo envolvendo a autarquia, as escolas, as empresas e os experts da bicicleta.” Também é mencionado que é um projeto “piloto”.
Quem normalmente anda de bicicleta já está acostumado ao trânsito. Mas para novos usuários o sentimento de insegurança pode realmente limitar a adesão à bicicleta. As ciclovias fazem parte integral da transição. Mesmo antes destas novas bicicletas, muitas pessoas (provavelmente os alunos) já têm uma em casa que não usam por essa razão.
Por enquanto a Mealhada tem realmente poucas ciclovias. A prioridade devia ter sido melhorar primeiro as condições do trânsito, as vias de circulação, a qualidade dos passeios, das ruas, acabando com as inúmeras barreiras arquitetónicas e construir ciclovias. Só depois disso se implementaria
o sistema das bicicletas partilhadas. Todas as cidades que tiveram aumento de usuários da bicicleta, só o conseguiram depois da adaptação do trânsito às bicicletas ou com a implementação de faixas reservadas.
Eu conheço bem várias cidades pelo mundo nas quais andei de bicicleta. Todas cometeram erros na primeira vez que implementaram este sistema de bicicletas partilhadas. Depois corrigiram-nos. Ora, uma vantagem que Portugal pode tirar de só implementar agora essas infra-estruturas é que pode evitar determinados erros já cometidos por outros países. Ou seja, podemos recuperar tempo perdido, aprendendo com os erros dos outros e evitar desperdício de dinheiro em ações que já se revelaram desvantajosas.
Aqui podemos desde logo, apontar que o termo “piloto” mesmo que apelativo pode ser já em si um erro estratégico visto que a maioria das soluções já foram testadas. Claro, sempre haverá espaço para a inovação, mas não em tudo e ainda menos nos princípios como definidos fundamentais.
Recentemente, foi anunciado um dia de prova de rotas efetuado por alunos. Neste caso aqui, a lógica seria, primeiro procurar-se a informação existente, pois muitas das soluções que vão encontrar já existem publicadas por associações de outras cidades. Depois recolhem-se os dados dos utilizadores existentes com mais experiência e que seja uma amostra geral dos municípios (o comportamento de alunos não tem nada a ver com pessoas de terceira idade, por exemplo). Na cidade de Genebra, as autoridades trabalham com as associações de ciclistas (de uma das quais fui membro) para estudar, propor infra-estruturas e corrigir erros existentes. Recorrer aos alunos é uma boa ideia, mas seria um complemento, para testar efetivamente as rotas com já alguma infraestrutura (marcação no chão por exemplo para segurança dos
alunos).
Um ponto capital neste sistema é a localização das “estações de bicicletas”! Se a escolha fosse realmente participativa (como anunciado no site da Câmara) ou baseada em exemplos de outras cidades, não teriam sido estes os dois lugares escolhidos: em frente à Câmara e perto do parque da cidade. Infelizmente, estes lugares não são próprios para incentivar o uso da bicicleta como meio de transporte alternativo. Se fosse para os cidadãos as poderem aproveitar, as estações estariam na estação de comboio de acordo com o princípio intermodal e em locais com grande densidade de movimento de pessoas. Na assembleia municipal, o Sr. O Presidente demonstrou que não entendia o princípio intermodal. Para clarificar, no princípio intermodal, cada transporte público tem uma função e estão ligados entre si. Por exemplo, seria ter
um “bus” que conecta a estação de comboio a outras aldeias do concelho. A bicicleta na intermodalidade, é o último elo do sistema, servindo para conectar os últimos quilômetros de uma estação de comboio ou de bus até zonas de trabalho em geral (ou de lazer). A ideia, pois, é evitar ao máximo o carro.
As razões mencionadas para esta escolha são puramente técnicas, para ter eletricidade e rede de wifi (AM de 29/06). Na estação CP se encontram já dois grandes estacionamentos de bicicletas. O espaço já existe. A electricidade não deve faltar e um roteador não é caro. Ter um horário de uso? Realmente, isso denota uma visão muito limitada do uso da bicicleta. Não conheço nenhum lugar que imponha horários de utilização. Pois não faz sentido nenhum impor horários a um
sistema automático como o das “estações de bicicletas”. Se alguém quiser ir à noite ver uma peça ao Cineteatro Messias de bicicleta “ municipal”, só a poderia devolver no dia seguinte! E nem isso, pela limitação do tempo de uso. Este executivo que não se preocupe, que as máquinas não pedem horas extra!
Se for o vandalismo, a preocupação, os usuários já estão identificados neste sistema.
Para concluir, os ciclistas como eu e os amantes, em geral, da bicicleta sabem que não existe melhor transporte para pequenas distâncias, mais rápidas que qualquer outro meio, não poluem e ajudam a saúde pública. Vantagens não faltam e gostaria que este projeto funcionasse. Mas receio que ele falhe no incentivo
à utilização das bicicletas pelos munícipes como meio de transporte quotidiano. O que foi feito aqui na Mealhada, mesmo que anunciado como “participativo”, não parece ter sido feito ouvindo os ciclistas em geral. Foi um conjunto de anúncios com boa intenção. Houve a eleição do logotipo e o dia de provas de
rotas pelos alunos. E que mais?
O único lugar coerente por agora, é a implementação no parque da cidade, onde dá para dar voltas de menos de 2h com bicicletas grátis. Em relação às bicicletas em frente à câmara, seguramente o Presidente e o seu executivo querem ir para o trabalho de bicicleta. Fico feliz por eles quererem dar o exemplo.
* Militante do BE. Membro por vários anos de PRO VELO na Suíça. Faz desde 2005 que usa a bicicleta para ir ao trabalho e isso em vários países.
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