O contacto com a ciência e com a língua portuguesa não ocorre da mesma forma para todas as pessoas. Existe, em diferentes meios de comunicação e iniciativas de divulgação de ciência, uma enorme falta de representatividade de cientistas além do estereótipo do cientista homem branco de bata no laboratório.
Por Mariana RP Alves *
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Falta representatividade de cientistas e pessoas pesquisadoras dos vários países de língua portuguesa, sobretudo de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, tal como de cientistas de várias áreas do saber, incluindo as ciências sociais e as humanidades. Esta situação contribui para que pessoas jovens vejam as pessoas cientistas como inacessíveis e não se vejam a si próprias como futuras pessoas cientistas.
Para ajudar a contrariar estas tendências, a Cartas com Ciência produziu um vídeo, “Ser cientista”, onde participaram mais de 45 cientistas correspondentes da comunidade da Cartas com Ciência que nos mostram a sua rotina diária em diferentes países e diferentes áreas do saber – incluindo 3 do CIDTFF. Falam também sobre a sua experiência a trocar cartas e sobre o imaginário que cada pessoa e a sociedade criam à volta de “ser cientista” – mais especificamente, reagem às partilhas das pessoas jovens que trocaram cartas com ciência, e que desenharam ou escreveram (em prosa ou poesia) como imagina(va)m o que é “ser cientista”.
O mundo é muito diverso, mas os sistemas que perpetuam desigualdades são muito eficazes a invisibilizar esta diversidade. Esta iniciativa, premiada pelo Instituto Internacional da Língua Portuguesa, visa mitigar alguma desta invisibilização, para que mais jovens possam ver-se como futuras pessoas cientistas se assim o desejarem, tentando desmistificar estereótipos sobre quem é e pode ser cientista. O vídeo foi lançado num evento híbrido no Centro Cultural de Cabo Verde, em Lisboa, e em linha com escolas de vários países, no contexto da comemoração do Dia Mundial da Ciência para a Paz e o Desenvolvimento.
Ser cientista é muita coisa. Nem sempre ao serviço de concretizar melhores futuros para todas as pessoas. O Dia Mundial da Ciência para a Paz e o Desenvolvimento deveria servir para lembrar que ser cientista não deveria ser (como infelizmente ainda é) construir drones que matam pessoas à distância, usar a biologia para legitimar ideários de categorização hierárquica entre pessoas, usar a ciência para bombardear universidades e legitimar apartheid e genocídio.
Ser cientista é muita coisa. Há cientistas que faltam neste vídeo. Não é possível fazer um vídeo que represente todas as pessoas cientistas do mundo, com todas as suas múltiplas características identitárias, um vídeo em que todas as crianças e pessoas jovens do mundo se reconheçam. O caminho para uma (divulgação da) ciência socialmente justa não tem uma meta que se possa cruzar e pensar “está feito”, tem de se ir fazendo e caminhando. Em muitos aspetos, correndo…porque é urgente reparar dívidas históricas e sociais. Mas ao mesmo tempo, com tempo para refletir, de forma a que mais do que “o que fazemos” mas também “como” e “porque fazemos” tenha no seu centro a justiça e a equidade. Para uma (divulgação de) ciência mundial para a paz e o desenvolvimento, há muito por fazer. Continuemos.
* Investigadora no Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF) da Universidade de Aveiro e co-diretora pro-bono da Cartas com Ciência. Artigo publicado originalmente no site UA.pt.
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