Sem ética não há cidadania

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Campus da Justiça, Lisboa.

Nos últimos tempos, em Portugal têm vindo a público, casos de pessoas e de instituições, a nível do Estado e de outras Organizações privadas, que em nada abonam em favor da idoneidade das mesmas. A muitos deles estão ligadas pessoas com responsabilidades públicas a quem se exigem comportamentos éticos fundamentais para servirem o bem comum, devendo ter as justas compensações inerentes à exigência de cada cargo e nenhuma outra deve ser concedida, sendo atos corruptos e fraudulentos todas as obtidas em troca de favores desonestos e prejudiciais a terceiros.

Por Eugénio Fonseca *

Estes casos têm-nos chegado pelos meios de comunicação social. É uma forma de denúncia que tem uma dupla face: a de tornar público o que lesa o erário público e o bem comum; mas, por outro, o de se condenar sem se terem todos os meios de prova. Mas não se culpe disso os media, mas o sistema judicial português, a começar pela legislação que o enquadra.

O sistema judicial português está construído de forma a quem tiver recursos financeiros possa recrutar defensores já muito familiarizados com as facilidades e alçapões das leis, das suas constantes alterações, das “fugas para a frente” que tornam inexplicavelmente demorados determinados processos, que alguns chegam até a prescrever. Em suma, temos uma justiça forte com os fracos e muito débil para com os fortes. Sendo já isto um problema, claríssimo, de incumprimento dos direitos humanos, acrescenta-se outro, também de grande monstruosidade, que é o da morosidade do poder judicial, levar a que o mesmo se exerça na praça pública. Quando assim é, os mais incautos confundem suspeitos com condenados e arguidos com réus. Há muito bom nome, irremediavelmente manchado por causa de denúncias sem fundamentações consistentes. Infelizmente, o “desporto” mais praticado, no nosso país, é a inveja. Valha-nos a prática de muitos outros “desportos” que, pela sua virtualidade, vêm servindo de antídoto a esse outro tão demolidor.

Apesar de todos estes graves riscos, se não fosse o papel da comunicação social trazer a público o agir fraudulento e lesivo do que a todos pertence, e muitos crimes passariam impunes e, por essa razão, muita riqueza se acumularia nas mãos sujas de uns quantos à custa do empobrecimento de muitos.

Esta avalanche de “casos e casinhos”, devidamente, comprovados, exige, como é óbvio, uma pesada responsabilização judicial, mas para se encontrar uma solução atenuante ou radical. O investimento tem de ser feito, desde bem cedo, na educação para os valores éticos, ou seja, a formação sobre a responsabilidade pessoal e a corresponsabilidade social na procura de caminhos do bem.

Esta educação tem como «referenciais para uma intervenção ética: dignidade da pessoa, justiça, igualdade de direitos, cidadania plena, solidariedade, responsabilidade, fidelidade.»[1]. O maior problema da civilização hodierna é que arrumou para o lado os valores éticos e criou dois deuses insaciáveis e muitíssimo sedutores que se chamam poder e dinheiro. A humanidade está a dar, cada vez mais, sinais de querer uma outra civilização, em que o seu eixo seja a pessoa e uma ecologia integral. Para isso, é necessário investir numa educação que não se interesse só pelo ensino dos conhecimentos técnico-científicos, mas também se empenhe, com igual vigor, pela difusão dos valores humanos. A educação para os valores exige uma pedagogia que permita a sua assimilação, de modo que a entranhemos no âmago de cada ser humano, desde as primeiras etapas da vida. A ética não se ensina apenas, mas aplica-se. Essa, em minha opinião, é uma das limitações de alguns dos módulos da disciplina “Cidadania e Desenvolvimento” que integram os curricula dos 1.º- 2.º-3.º Ciclos do Ensino Básico e do Ensino Secundário. Por outro lado, o exemplo dos educadores e dos cidadãos com exposição pública, cada um a seu nível, e na sua área de intervenção, têm responsabilidades maiores como exemplos a seguir.

A orientação ética fundamental é a verdade na relação connosco e com os outros. Tem como finalidade a certeza de que ninguém jamais será feliz se ao seu redor existirem condições que a comprometam. Se a nossa civilização fosse marcada por maior sentido ético, perceber-se-ia como é importante vencer individualismos e hedonismos e todos os esforços seriam direcionados para a construção do bem comum; seria bem diferente a libertação interior de cada pessoa, se se tivesse maior consciência de que os seres humanos são mortais, com tempos de vida desconhecidos; entender-se-ia a governança política como uma missão e não como uma carreira profissional; ter-se-ia motivações para a prática da política partidária alavancada em consciências cívicas e em ideais humanistas e não só por razões de filiação ideológica; convidar-se-ia para cargos institucionais quem fosse capaz de os exercer sem se tornar dono deles, mas sempre com espírito de quem serve, e só até que fosse útil; saber-se-ia, sem hesitações, que a defesa e o respeito pela dignidade humana são o princípio e o fim de qualquer orientação ética e que quem assume tarefas públicas e administra bens colocados à sua confiança tem de, em tudo, usar da maior transparência e lealdade para com a sua instância hierárquica superior, bem como para com a comunidade em geral.

Se é verdade que, nos últimos tempos, têm sido noticiadas más práticas por parte de cidadãos e instituições públicas e privadas, que isso não nos faça esquecer que essas, apesar de muito vergonhosas e prejudiciais, são exceções. Há muito bem a acontecer, todos os dias, por esse Portugal, de lés a lés, protagonizado por gente que não é usurária; que tem respeito por si e pelos outros; que conjuga mais vezes o verbo doar e menos o arrecadar; que assume cargos apenas e só como um serviço aos outros. Que o digam muitas IPSS e outras Organizações públicas e privadas.

* Presidente da Confederação Portuguesa do Voluntariado. Artigo publicado originalmente no site Solidariedade.pt.

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