Para ler este texto, sugiro alguma solidão e um estado de espírito humilde, honesto, frontal e aberto. Depois podem passar ao companheiro ou companheira, criticar ferozmente “este que acha que sabe tudo”. Não sei e assumo desde já. Também erro, também aprendo. A intenção deste texto é a de deixar a semente desta mensagem assentar nos sulcos mais férteis da “terra” – a dúvida, o cérebro.
Por João Coucelo *
A vida passa e parece que a forma mais eficaz de aprender é mesmo com os erros. Infelizmente, em algumas áreas da vida, esses erros podem acarretar maiores consequências que noutras.
Na sociedade atual, os indivíduos veem a sua saúde, bem-estar, autonomia e aparência, o envelhecimento (ou anti-envelhecimento), como prioritários. Sejam ricos ou pobres. Adolescentes, jovens, séniores e os muito séniores. No seu íntimo, todos sonham morrer saudáveis. De preferência enquanto dormem e sem dor. Esta é uma noção que poucos ousam contrariar. E bem.
Assim, e por esta ordem de ideias, seria de esperar uma sociedade com um nível de literacia elevado no que a noções básicas, e até a mais complexas, sobre ao que às determinantes destas prioridades diz respeito. Seria de esperar que não se cometessem tantos erros, menos ainda tão repetidamente. Mas a natureza Humana é impiedosa. Entre o cansaço, o stress e a ignorância, é demasiado fácil fazer as escolhas erradas. Tanto aquelas que sabemos erradas, mas que escolhemos ignorar, como e sobretudo, as que acreditamos certas mas são erradas.
Este texto pretende antecipar erros típicos do período que se aproxima – o pós-férias. Deve ser lido como foi escrito, para a maioria dos Portugueses. Gente comum com as suas particularidades.
São muitos os que, durante e até mesmo antes das férias, decidem que é desta. Que é agora que vão começar a treinar. Uns porque o verão e as poucas vestes expõem o acumulado dos exageros de anos, outros porque aquela caminhada ou o subir aquelas escadas já não se faz como antes. Começam a sentir limitações. Cedo demais. Logo… está na hora.
Seja para dar umas valentes caminhadas, ir ao ginásio, ao crossfit, a jogar paddle ou futebol entre amigos, a ir às aulas de spinning, bodypump ou uma outra atividade física regular presencial ou on-line. É agora que começam o caminho para atingir um peso saudável, seja pelo desejo de uma imagem admirada ou por motivos de saúde. É agora que se inscrevem, pagam anuidades, jóias, adquirem equipamentos diversos. É agora que começam. No erro. No engano. Muitos nem esperam que as férias terminem. Haja motivação e falta de noção.
As pessoas, as que não treinam e as que treinam, sobrestimam o valor da atividade física em relação ao da alimentação e o seu papel na perda de peso. Acreditam que a atividade física é chave neste processo. Iniciam o seu “plano” (na sua maioria sem acompanhamento profissional), que na melhor das hipóteses cumprem não mais do que poucas semanas. Entretanto desistem porque se lesionam, ou porque percebem que não encaixa na vida a que nos obrigamos. Porque frustra. Acabam por não fazer nem muito, nem pouco. Porque no meio de tudo, da vida e o trabalho que envolve, a motivação que exige, faltam os resultados à velocidade de tudo mais, imediatos. Se for preciso, durante essas semanas de missão física e psicologicamente custosas, até ganham peso. Aqueles primeiros 90 dias, ou as 12 semanas, ou os 3 meses. Porque é natural que assim o seja, mas também porque comeram ainda mais do que aquilo que comiam antes. Mesmo que alimentos “saudáveis”. Até porque todos têm aquele pensamento guiado pela fome, “posso comer, agora treino” e “não pode ser só treinar, tem de haver um equilíbrio”.
A verdade, é que a atividade física regular e de intensidade moderada a intensa, é importante e útil para vários fins, mas não é chave na perda de peso. Lamento.
Se não veja o seguinte exemplo: uma colher de sopa de azeite (15 ml) equivale a cerca de 120 kcal. O que é dizer que se consumissem apenas a quantidade a recomendada, as 2 a 4 colheres de sopa por dia, consumiam 240 a 480 kcal/dia. Só em azeite. Ora se fizerem uma atividade física 3 vezes por semana, mesmo que um excelente treino onde gastem 800 kcal, ao final da semana, o que treinam mal serve ou não serve sequer para gastar a energia que ingeriram em azeite. Seriam sempre 1680 a 3360 kcal de azeite vs. 2400 kcal gastas a treinar.
Estamos a falar de um único ingrediente. Podia ter-vos falado de pão. Alimento que nos é tão querido e que por cada 100 g (uma fatia média), daquele pão “caseiro” de trigo (dos menos calóricos) tem cerca de 230 kcal (centeio, integrais e os de mistura de cereais, noz e afins, é daqui para cima, bem mais).
Pode-se mesmo afirmar que nesta jornada que é a perda de peso e manutenção de um peso saudável, nesta mudança tão fundamental, a mera ideia da obrigatoriedade de ter que praticar atividade física regular e extenuante, essa barreira, até que só no plano psicológico, como que se de um elemento indispensável a esta equação se tratasse, é uma ilusão, uma mentira, uma ideia errada.
Dito isto, façam um favor à vossa carteira, saúde e tempo, se querem perder peso, se querem começar o caminho para uma saúde melhor, não comecem o vosso pós-férias numa qualquer loja de equipamentos desportivos, não gastem as vossas férias em pré-agonia, na antecipação ou a convencerem-se que adoram ficar com o corpo dorido, de somar ao cansaço psicológico e físico do dia-a-dia, o estar exaurido de energias, o ter de gerir dores e uma nova lesão após um breve começo.
Não comecem, nem continuem a vossa vida a ver a atividade física como o preço a pagar para poderem ser mais saudáveis, seja por perderem ou manterem peso. Não há regime de treino ou atividade física regular que consiga qualquer resultado sem que antes mudem o que de facto importa: o que comem, mais não seja as quantidades, variedade e a frequência do que comem.
Se acham que as atividades físicas e rotinas mais ou menos elaboradas, mais ou menos prolongadas, aquele penar semelhante a tortura, são o que precisam, estão enganados. Esse esforço, esse tempo, esse investimento é a parte fácil. A difícil, a que de facto importa tem outro nome – reeducação alimentar. Consiste de um trajeto mais ou menos demorado, não linear, necessariamente consistente, com altos e baixos, mas que pode ser simplificado com ferramentas ao alcance de todos.
Espero que este texto vos ajude. Que seja um atalho no percurso de aprendizagem. Um caminho novo.
Um bom regresso, um bom início.
* Médico de Medicina Geral e Familiar. Artigo publicado originalmente no site Healthnews.pt.
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