Há um sentimento generalizado de que as crises são os catalisadores da transformação social.
Por Eduardo Anselmo de Castro *
Da crise atual se diz já que, quando terminar nada será como antes, dependendo o depois dos receios ou dos sonhos de um futuro melhor que cada um acalenta. Um comentador do New York Times foi ao ponto de redefinir o significado em inglês de BC e AC: Before Crisis e After Crisis.
Não sendo especialista em futurologia parece-me que esta crise terá duas consequências muito prováveis e outra, que o não sendo tanto, é fundamental para evitar uma crise económica de consequências devastadoras. As duas primeiras são a valorização na opinião pública e na discussão política dos sistemas de saúde em geral e das políticas de saúde pública em particular, assim como um maior reconhecimento da importância da ciência e da investigação. A outra é a adoção de políticas musculadas de apoio à recuperação económica, com uma (pelo menos momentânea) secundarização das obsessões de equilíbrio das contas públicas.
Se o meu vaticínio for correto, abrir-se-ão às instituições académicas e aos centros de investigação oportunidades únicas de valorização da sua atividade, que serão acrescidas nos países que precisam de dar um salto qualitativo que os conduza a sociedades baseadas no conhecimento e a economias baseadas na tecnologia. Neste contexto, o reforço das ligações já existentes entre a Fiocruz e a Universidade de Aveiro tem uma importância estratégica fundamental.
A Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) é uma fundação pública tutelada pelo Ministério da Saúde do Brasil, com mais de cem anos de experiência, radicada em todo o país e com relevância global, que reparte a sua ação por um vasto leque de atividades, associando investigação fundamental e aplicada à produção fabril, a cargo de unidades a ela pertencentes. Desde a investigação biomédica desenvolvida pelas Unidades Técnico-Científicas, como o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), o fabrico de biofármacos e vacinas (Biomanguinhos) e de fármacos sintéticos (Farmanguinhos), à atuação nos mais diversos domínios tecnológicos da saúde e em políticas de saúde pública, à investigação em saúde e biodiversidade associada ao conceito One Health, até à formação de quadros dirigentes do sistema de saúde brasileiro (Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca) as atividades da Fiocruz conferem-lhe uma posição entre as grandes instituições mundiais de saúde pública e o primeiro lugar na América Latina.
Por seu lado, a Universidade de Aveiro é um importante centro de ensino e investigação em saúde, que associa a investigação, desenvolvimento e aplicação de equipamentos e materiais ao desenvolvimento e ensaio de fármacos biológicos e sintéticos, passando pelas políticas de saúde e pela relação entre biodiversidade, saúde animal e saúde humana. Localizada no centro do eixo que une os dois importantes polos de saúde do Porto e de Coimbra, onde se situam três Faculdades de Medicina, alguns dos melhores hospitais portugueses, centros tecnológicos nos domínios da saúde e importantes empresas farmacêuticas, Aveiro tem condições privilegiadas para se afirmar como o centro de implantação da Fiocruz em Portugal e da sua ligação à Europa. Como acima opinei, o processo de recuperação desta crise poder ser o catalisador para a materialização deste potencial.
A UA e a Fiocruz valorizam ações institucionais de incentivo e gestão da inovação, de forma a promover a geração de conhecimento, de produtos e de serviços e a ampliação do acesso à saúde para a sociedade. Desta forma, as duas instituições consideram as atividades de I&D e as cooperações internacionais como estratégicas para a promoção do empreendedorismo científico e tecnológico.
Assim, a UA e a Fiocruz desenvolveram uma trajetória de crescente cooperação, que se traduz em projetos conjuntos de investigação e se reflete num número apreciável de quadros desta importante instituição brasileira que fizeram ou estão a fazer o seu percurso formativo em programas de doutoramento e pós-doutoramento em Aveiro. O reforço desta cooperação, transformando-a numa ligação estratégica entre as duas instituições é o objetivo da visita da direção da Fiocruz a Aveiro, planeada para finais deste mês, mas que, por motivos óbvios, foi adiada para data ainda impossível de definir. Este adiamento, ao contrário de enfraquecer a vontade de cooperação, deverá traduzir-se numa visita ainda mais profícua, que marque o tão desejado regresso à normalidade. São estes os votos que transmito em nome da Universidade de Aveiro.
* Vice-reitor da Academia de Aveiro. Texto publicado originalmente na ‘Opinião’ do site UA.pt.