Rossio insustentável

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Rossio, Aveiro (imagem Jaime Abenta / https://www.facebook.com/jaime.abenta).

Infelizmente, hoje, quem visita Aveiro, fica-se por um congestionado canal central, as passeatas de moliceiro e o Rossio.

Rui Alvarenga *

A obstinada ideia de esventrar o Rossio e toda a fundamentação expressa em sua defesa espelha muito mais do que um equívoco grosseiro em relação à vontade da população; é mais do que uma arriscadíssima escavação em um subsolo de previsível sensibilidade geológica e arqueológica; e vai muito para além do investimento em uma obra que está longe de constituir uma prioridade.

É também assumir o afastamento de Aveiro da Estratégia Cidades Sustentáveis 2020 e, subsequentemente, negar a urgência em perspectivar um turismo sustentável para a nossa cidade.

Um dos pilares da Estratégia Cidades Sustentáveis 2020 é o da cidade mais saudável, na qual se recomenda que as cidades “assumam o seu papel central no compromisso nacional com o paradigma emergente de eco-eficiência e da redução da sua pegada ecológica e carbónica (…)”1, e que constituam “sistemas de espaços colectivos, nomeadamente praças, passeios arborizados, áreas pedonais, zonas de acalmia de tráfego, hortas, jardins, quintas e parques, valorizando as suas funções enquanto áreas livres de recreio, lazer, sociabilidade, cultura e desporto (…), e contribuindo para a infra-estrutura verde”. E, sem surpresa, nomeia como alicerce primordial a diminuição de carbono nas cidades, apelando ao desincentivo do transporte motorizado individual e à promoção dos transportes públicos e a sua intermodalidade.2

Se continuarmos a ler o documento aprovado em 2015, torna-se inevitável constatar que as políticas que se pretendem implementar na cidade de Aveiro afastam-se irreparavelmente desta estratégia.

O que se pretende fazer no Rossio é caso paradigmático. Com ou sem estacionamento subterrâneo, o fluxo de trânsito vai manter-se ou mesmo aumentar, porquanto a circulação nas artérias confluentes não deixará de existir. A Avenida Dr. Lourenço Peixinho, as ruas Dr. Barbosa de Magalhães, João Mendonça, Clube dos Galitos, Batalhão de Caçadores, continuarão a receber o trânsito com destino ao Rossio, mantendo os índices de carbono e o impacto negativo em termos ambientais e na qualidade de vida dos residentes.

Actualmente, andar por estas ruas ou apenas permanecer nelas torna-se insustentável até para quem nos visita. Acresce que os transportes públicos que temos, que seriam aceitáveis na década de oitenta do século passado, não têm nenhuma oferta intermodal, não são suficientemente apelativos, ligam minimamente as freguesias e não oferecem pontes rápidas e intuitivas para os concelhos vizinhos.

Por conseguinte, os transportes públicos não ligam o território convenientemente, e essa insuficiência origina a redução do turismo em apenas em um ponto da cidade. Aveiro é um território com raízes em valores populares e com muitas actividades que permitem os turistas experimentarem em primeira mão a história e os costumes locais.

1 Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia (2015). Cidades Sustentáveis 2020. Lisboa, Direcção
Geral do Território, p.24.
2 Idem, p.47.

Infelizmente, hoje, quem visita Aveiro, fica-se por um congestionado canal central, as passeatas de moliceiro e o Rossio. É uma visita que termina em duas horas. A mobilidade sustentável tem que ser organizada em todas as etapas da viagem: das
conexões de comboio à mobilidade local competente e diversificada, preferencialmente por meio de veículos eléctricos.

As medidas políticas estão disponíveis para melhorar a sustentabilidade urbana em termos de transporte, mas os principais desafios estão associados às condições necessárias para a mudança, que dependem de visão e coragem política dos nossos autarcas e de uma implementação de esquemas inovadores de alta qualidade e da necessidade de ganharmos a confiança, aceitabilidade e o pleno envolvimento do público, que só começará a andar regularmente de transportes públicos quando as condições forem efectivamente favoráveis.

O mesmo acontece com a utilização da bicicleta. O mundo dá-nos exemplos com os quais devíamos aprender, como Portland, que possui trezentos quilómetros de ciclovias, tendo sido a primeira cidade dos Estados Unidos a aprovar um plano para reduzir as emissões de dióxido de carbono, com cerca de 40% da população a utilizar a bicicleta ou transportes
colectivos para se deslocar para o trabalho, a mesma percentagem de população que usa a bicicleta como primeiro transporte em Copenhaga, que, desde 1990, conseguiu reduzir as emissões de carbono em 25%. Já Malmö possui mais de 400 quilómetros de ciclovias no seu território. As ciclovias em Aveiro, para além de muitíssimo escassas, são desorganizadas e muito pouco seguras, porque continuam a ter uma função quase decorativa, numa organização urbana caótica que continua a dar primazia aos automóveis.

Neste capítulo, o projecto BUGA é uma das mais excepcionais contradições na estratégia de mobilidade suave para a cidade. As bicicletas amontoam-se nos postos e raramente vislumbra-se a sua utilização nas artérias supracitadas. A outra é o investimento na investigação desenvolvida por parte da Universidade de Aveiro nas áreas da bicicleta e mobilidade suave, cujos resultados não poderão ter a nossa cidade como referência para a sua aplicabilidade, porque enquanto permitirmos que o centro histórico esteja congestionado de canos de escape, e as ciclovias forem o que são, dificilmente tornaremos
apelativa esta forma de deslocação.

A área verde na cidade é também confrangedora e a Organização Mundial de Saúde, em Maio de 2018, colocou Aveiro no top 15 das cidades portuguesas que ultrapassam o nível máximo de partículas finas inaláveis, mais precisamente a décima segunda posição, com Ílhavo a ocupar o décimo lugar. A Estratégia Cidades Sustentáveis 2020 recomenda que se potencie os espaços silvestres e a requalificação de parques e jardins “nas áreas de influência das cidades (…)” e apela ao fomento de “investimento em infra-estruturas verdes (…)”3. para se impulsionar a valorização económica e social do património natural. E mais uma vez ficam os exemplos que podemos seguir, como a cidade de Reiquejavique, 100% abastecida por energia limpa e de baixo custo, onde parte dos veículos da cidade são movidos a hidrogénio, ou Vancouver, com 200  parques na sua área urbana, tornando-se na cidade com a menor pegada de carbono, sendo 90% da sua energia garantida por fontes renováveis, ou mais perto de nós, Gijon, um município com mais de 85% de área rural e com o seu Jardim Botânico, uma das suas principais atracções turísticas, com uma área de 25 hectares onde são catalogadas cerca de 30.000 plantas.

3 Idem, p.48.

Aveiro pode crescer bem e de forma sustentável. Mas esta perseverante intenção de darem primazia a obras cujo fim é unicamente o de satisfazer um tipo de turismo volátil – e sabemos o que acontece com as tendências – é o oposto do que deveríamos estar a promover:

– um plano de desenvolvimento para um turismo responsável que retire cada vez mais carros da cidade, e em particular da sua zona mais antiga; substituir os canos de escape por uma ampla cultura que se mistura com suas paisagens verdes, para fomentar um cuidado integral com o meio ambiente, uma alta qualidade de vida e um modelo turístico que privilegie a satisfação de todos, residentes e visitantes.

* Deputado municipal do PAN – Aveiro.