A 20 de março assinala-se o Dia Mundial do Rewilding (em português, renaturalização), pelo que a Rewilding Portugal e a ZERO aproveitam a efeméride para relembrar que o nosso país não só possui áreas disponíveis para implementar esta forma inovadora de restaurar a natureza, como também obrigações no âmbito da União Europeia de caminhar neste sentido, uma vez que a Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030 estipula que os Estados-membros deverão preservar 30% da superfície terrestre, dos quais 10% com proteção estrita, quer em meio terrestre quer em meio marinho.
Por Zero Associação Sistema Terrestre Saudável e Rewilding Portugal *
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Berlengas, Estuários do Sado e de Tejo e Malcata são candidaturas óbvias
Para a Rewilding Portugal e para a ZERO, a abordagem Rewilding – uma forma inovadora de restaurar a natureza em que a mesma toma conta de si própria, permitindo que os processos naturais moldem a terra e o mar e recuperem paisagens degradadas – deve ser assumida desde já pela autoridade nacional de conservação da natureza como estratégia preferencial para a conservação, uma vez que estamos perante uma abordagem eficaz na recuperação de sistemas complexos, que tem a grande vantagem de ser menos onerosa e de garantir melhores resultados para a conservação da biodiversidade no longo prazo.
Neste contexto, algumas das Reservas Naturais do país são as mais óbvias candidatas a iniciar este caminho, sendo que uma grande parte das mesmas poderia vir a contribuir diretamente e de imediato para garantir o objetivo de alcançar a proteção estrita de 10% do território.
Referimo-nos às Reservas Naturais das Berlengas (9.541ha, sendo 99% de área marinha protegida), do Estuário do Sado (23.972 ha), do Estuário do Tejo (14.416 ha) e da Malcata (16.158 ha), considerando que o regime jurídico atual (Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de Julho, na sua redação atual) já o permite: estamos perante áreas com “características ecológicas, geológicas e fisiográficas ou outro tipo de atributos com valor científico, ecológico ou educativo, e que não se encontre habitada de forma permanente ou significativa”, cuja classificação “visa a proteção dos valores naturais existentes, assegurando que as gerações futuras terão oportunidade de desfrutar e compreender o valor das zonas que permaneceram pouco alteradas pela atividade humana durante um prolongado período de tempo”.
Rewilding, uma abordagem transversal para o território
A abordagem rewilding ou renaturalização na sua tradução em português, reconhece a capacidade que a natureza tem para regenerar quando lhe é permitido o tempo e o espaço necessários para tal. O rewilding coloca o foco em restaurar processos naturais – e.g. ciclos de nutrientes, ciclos naturais do fogo, predação – e deixar que estes deem forma às paisagens terrestres e marinhas de forma dinâmica. Para consegui-lo, trabalha lado a lado com as comunidades locais, para que o restauro dos ecossistemas beneficie a sociedade e crie economias baseadas na natureza que tragam novas oportunidades para os territórios.
Em Portugal, o Grande Vale do Côa é um exemplo de paisagem que está em processo de renaturalização. Um bom exemplo que ilustra esta abordagem e que poderia ser replicada noutras áreas do país, como por exemplo em áreas já protegidas e em baldios. Como forma de renaturalização nesses espaços é aceitar e promover os herbívoros selvagens e semisselvagens para gestão de combustíveis, como forma de prevenção de incêndios rurais, bem como para potenciar a regeneração da floresta nativa, a diversidade de habitats e as cadeias tróficas completas, com predadores e necrófagos.
Importa salientar que a criação de mais áreas marinhas protegidas, onde a abordagem rewilding esteja presente, pode trazer resultados em pouco tempo, através da declaração de áreas de sem extração, que em poucos anos revertem num aumento da biodiversidade dentro da área protegida e um aumento da pesca fora da mesma, garantindo os objetivos de preservar 30% da superfície marinha protegida, dos quais 10% com proteção estrita.
Perante o contexto nacional, em que o interior continental continua a perder população, sem que, infelizmente, haja muito a fazer para inverter esta tendência, o rewilding como abordagem de gestão da paisagem (combinada com medidas compensatórias) poderá permitir que alguns territórios não só reforcem a qualidade de vida das populações locais, hoje prejudicada pelas políticas públicas, mas também seja incrementada a conectividade entre os territórios.
Todavia, esta abordagem exige uma visão diferente dos decisores políticos que encaram os territórios predominantemente como espaços de extração de recursos naturais (água, madeira, massas minerais) e de produção de energia, sem a devida preocupação com os passivos ambientais resultantes da artificialização dos solos ou com a qualidade de vida das populações locais no longo prazo.
É, pois, necessária uma mudança de atitude face à conservação dos valores naturais e um olhar mais crítico ao que é, de facto, sustentabilidade.
A recente proclamação do Governo cessante de que Portugal Continental já tem 34,8% da superfície terrestre com estatuto de proteção, e que cumpre assim a meta de proteção legal de, pelo menos, 30% da superfície terrestre, é um bom exemplo da necessidade dessa mudança, pois um mero exercício administrativo não se coaduna com uma visão coerente da sustentabilidade quando se consideram áreas, como as Reservas da Biosfera da UNESCO e dos Geoparques da UNESCO, que são figuras de classificação que ficam muito aquém do desejável enquanto ferramentas de conservação dos valores naturais em presença.
* Artigo publicado originalmente Zero.ong.
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