Se há mercado sensível às variações da política monetária, o imobiliário é um deles, senão o mais relevante, uma vez que afeta direta e indiretamente muitos outros setores de atividade. É ainda igualmente importante para inúmeras economias derivado do seu volume de negócios, como o setor da construção, que por esse motivo provoca oscilações importantes na variação do Produto Interno Bruto, quando existe um movimento mais pronunciado no comportamento da atividade.
Por Mário Martins *
É por esse motivo que o setor do imobiliário tem de ser aferido com especial cautela nesta fase em que ocorre uma alteração substancial da política monetária nas principais economias do mundo, com vista a combater uma inflação desmesurada, destruidora do poder de compra e do crescimento económico sustentável.
Há mais de uma década que o mundo tem vivido sob o manto dos juros ultrabaixos e da elevada facilidade de acesso a crédito, ou seja, num cenário de dinheiro fácil e barato, que sem surpresa tem beneficiado significativamente o setor imobiliário. Contudo esse tempo terminou. Numa corrida contra o tempo, o banco central norte-americano (FED) deverá subir os juros para o intervalo de 1.75% a 2% até ao Verão, quando no início de março estavam entre os 0% e os 0.25%, sendo que até ao final do ano o patamar dos juros deverá subir pelo menos até aos 2.5%.
É um movimento historicamente único por parte da FED que poderá ser seguido pelo BCE, ainda que com um ritmo não tão agressivo, mas que demonstra uma clara divergência para com a mentalidade acomodativa no início deste ano, quando Christine Lagarde afirmou que o BCE tinha todas as razões para não seguir o rumo da FED.
Só este aumento dos juros é o suficiente para colocar em causa o crescimento dos preços no setor imobiliário, uma vez que a procura estará fundamentalmente alterada negativamente. A isto junta-se a quebra relevante no poder de compra, derivada da inflação, que não será compensada pelo aumento de salários. Desta forma, é provável uma recessão, ainda que potencialmente de curta duração, na economia norte-americana e europeia no final deste ano ou em 2023.
Não quero com isto indicar que teremos a rebentação de uma bolha no imobiliário, como ocorreu em Portugal por volta do ano de 2000, que demorou quase duas décadas a estabilizar. Contudo, não é verosímil antecipar os próximos anos como sendo de contínuo crescimento ou de ausência de uma correção da procura, com a agravante de que os custos de produção, humanos ou materiais, irão provocar o emagrecimento das margens operacionais.
No caso de Portugal será preciso aferir cuidadosamente qual o impacto específico que as alterações no programa do Golden Visa Portugal, bem como na legislação dos Alojamentos Locais, que são dois focos importantes de crescimento do imobiliário nos últimos anos, terão no mercado. É ainda evidente que o desfecho no mínimo será um menor contributo positivo, restando saber a dimensão dessa redução.
Dito isto, é preciso realçar dois pontos: desde logo a situação da guerra no leste da Europa, sem fim à vista, e com consequências para já indefinidas no curto-médio prazo para a economia europeia. Por outro lado, derivado do tópico anterior e enquanto este se mantiver, é presumível que exista uma instabilidade no rumo da política monetária nos próximos meses, ou seja, poderão ser necessárias medidas de apoio à economia, nomeadamente de política monetária, que suportem direta ou indiretamente o mercado imobiliário. Mas um dado é quase garantido: os anos dourados do imobiliário em Portugal terão de esperar por nova onda, porque a que foi gerada após a crise financeira de 2011 deverá ter terminado.
* Analista da ActivTrades. Artigo publicado originalmente no site Diário Imobiliário.
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