Quem quer andar na locomotiva?

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Locomotiva a vapor da CP.

O título bem que poderia ser de um daqueles programas de domingo à noite e não é caso para menos. Tal como acontece nesses reality shows, também na Linha do Vouga se instalou a polémica. Para os que têm andado mais distraídos, vamos por partes para que compreenda melhor esta “novela”.

Bruno Soares *

Comecemos por recuar ao fatídico mês de Junho de 2017, no qual a locomotiva a vapor CP E214, depois de uma revisão nas oficinas de Contumil, fora dada como apta para realizar circulações. Inclusive, esteve prestes a ser transferida para a Linha do Vouga, mas daquilo que se constou nessa época, terá sido por ordens da Protecção Civil que acabara por ficar retida no Porto. Um cenário perfeitamente compreensível, dado que Portugal tinha assistido a uma das suas maiores tragédias, nomeadamente, o incêndio de Pedrogão Grande, que causara imensas vítimas mortais. O assunto fica praticamente esquecido, embora se continuasse a falar na possibilidade da locomotiva poder vir a fazer viagens durante o inverno.

No dia 7 de Março do presente ano, eis que uma nova esperança renasce quando o site informativo “Notícias de Aveiro” dá conta da possibilidade de o Comboio Histórico do Vouga poder contar com a locomotiva a vapor para viagens especiais já no próximo mês de Abril. Em nota informativa, esta página dá conta que terá sido o próprio presidente da Câmara Municipal de Águeda, Dr. Jorge Almeida, que o terá confirmado em assembleia.

Parecia estar tudo bem encaminhado para o regresso do vapor à Linha do Vouga, já que poucos dias depois, mais concretamente no dia 11 de Março, se deu início ao curso de maquinistas para a respectiva locomotiva, nas oficinas de Contumil. O entusiasmo em torno destas novidades torna-se ainda maior quando, no dia 13 de Março, o presidente aguedense desfaz todas as dúvidas ao divulgar, na sua página pessoal de facebook, um cartaz no qual se anunciam viagens especiais para Abril, com a locomotiva CP E214!

Na semana seguinte, no dia 21 de Março, era previsto que uma composição especial chegasse, ao início da tarde, a Aveiro, com a velha locomotiva e dois vagões especiais (vagão cisterna e vagão “bombeiro”), dos quais falaremos mais à frente. No entanto, este comboio acabou por ser suprimido, ao que tudo indica, praticamente em cima do sinal de partida, por motivos que nos eram desconhecidos.

Para nosso lamento, parecia estar a repetir-se, assim, um cenário que já tínhamos observado há dois anos atrás. É de salientar que, na mesma tarde, seria, do nosso ponto de vista, expectável que a locomotiva Alshtom 9004 estivesse no terminal de Aveiro à espera da chegada da locomotiva a vapor, para a poder retirar do vagão de transporte. Coincidência ou não, a 9004 não estava lá. Embora a sua rebocagem, em direção a Sernada do Vouga, estivesse apenas programada para a tarde do dia seguinte, custa-nos acreditar que a E214 ficasse ao relento durante a noite.

De sublinhar que, na mesma tarde, Pedro Banhudo, da direcção de exploração da CP da Unidade Longo Curso e Regional (Norte e Vouga), dá conta que não estavam previstas quaisquer viagens com a locomotiva a vapor. Para além disso, o curso de maquinistas também fora suspenso.

Contudo, no dia seguinte, tudo parecia apontar para um mal entendido, pois sabemos que o curso fora reaberto. No dito popular, foi “sol de pouco dura” já que, ao final desse mesmo dia, o curso é novamente cancelado! Nas redes sociais, corria o boato que teria sido uma vez mais a Protecção Civil a impedir a transferência. Uma coisa é certa: sabíamos que a locomotiva a vapor estava num impasse e que, por experiências anteriores, o mais certo era que tudo tivesse sido cancelado. E assim foi…

Sem que tenha havido qualquer nota oficial, quer da parte da Câmara Municipal de Águeda, quer da própria CP, durante a noite do dia 22 de Março, o jornal “Público” divulga aquilo que já se perspectivava: as viagens haviam sido canceladas! Na notícia, o presidente Enfermeiro Jorge Almeida afirmara que o cartaz divulgado fora feito em conjunto com a CP e estava aprovado; já a CP disse que viagens estavam pendentes de confirmação. No jogo da troca de palavras contraditórias, facilmente se percebe quem são os reais prejudicados: o consumidor final e a credibilidade turística, quer do distrito de Aveiro, quer da Linha do Vouga.

O risco de incêndio acabou por ser, uma vez mais, o motivo do impedimento da transferência da locomotiva para as instalações da Linha do Vouga. Embora não haja provas concretas de que as locomotivas movidas a carvão sejam reais focos incendiários, estamos perfeitamente conscientes que o risco é real, dadas as perspectivas de tempo seco para os próximos meses, e que nestas condições mais vale prevenir que remediar.

No entanto, não podemos ficar indiferentes a alguns aspectos que não foram totalmente esclarecidos nem divulgados pela imprensa. Primeiro, tal como se pode comprovar pelas fotos que aqui divulgamos juntamente com esta publicação, foram criados meios excepcionais para que se pudessem minimizar os riscos de incêndio.

Ao que conseguimos apurar, foi criado um vagão cisterna que acompanharia a locomotiva de forma a regar a linha durante o seu trajecto. Para além disso, uma dresine (comboio de inspeção e via) circularia com um atraso de cerca de 10 minutos em relação à locomotiva e rebocaria um vagão “bombeiro”, composto com dois bidões com capacidade para 2 mil litros de água e uma moto-bomba, e no qual seguiriam dois bombeiros a bordo.

A questão que se coloca neste momento é a seguinte: se para a CP as viagens anunciadas para Abril não estavam previstas/confirmadas, então porque razão se preocuparam em criar meios de segurança e, posteriormente, em elaborar a composição que transportaria todos estes equipamentos de via estreita para Aveiro?

Outro aspecto que questionamos e que continua, também, a ser incompreensível, é o facto de que apesar de não haver autorização momentânea para a circulação da locomotiva CP E214, porque continua teimosamente a permanecer fechada nas oficinas de Contumil? Do nosso ponto de vista, existem outras alternativas para rentabilizar o estado funcional da locomotiva.

Como várias pessoas já sugeriram aqui na página do nosso “movimento”, a locomotiva poderia ser acesa em Sernada do Vouga e, por exemplo, os turistas que usufruíssem do comboio histórico a diesel poderiam ser reconduzidos até à primeira por forma a poderem tirar fotos, etc. Ou então, numa perspectiva de museu vivo, a locomotiva poderia fazer viagens mais curtas, entre o Núcleo Museológico de Macinhata do Vouga e o parque oficinal de Sernada do Vouga. Temos clara convicção de que para as nossas ambições se concretizarem basta que haja vontade fervorosa por parte de quem tem a real capacidade de mudar este cenário, pois temos igual convicção de que não falta quem queira andar na locomotiva!

* Movimento Cívico pela Linha do Vouga.

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