A CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade representa cerca de 3.050 das 5.000 Instituições Particulares de Solidariedade Social existentes no nosso País, numa rede capilar que vai desde a freguesia mais urbana de Lisboa à aldeia mais recôndita do interior ou da raia.
Por Lino Maia *
Nas semanas mais recentes, os vários canais generalistas de televisão, no que parece ser uma competição entre si, vêm apresentando programas, ditos “de investigação”, e que têm como objeto as condições de funcionamento de respostas sociais, designadamente estruturas residenciais para pessoas idosas ou lares residenciais para pessoas com deficiência. O tom geral desses programas é de crítica e denúncia das situações apresentadas, normalmente associadas a práticas de maus-tratos ou de aproveitamento da situação de vulnerabilidade em que, com frequência, se encontram os utentes de tais respostas sociais. Frequentemente, num registo obsessivo e torrencial de “casos e casinhos”, tais programas apresentam uma versão errónea ou deturpada das situações neles descritas e induzem generalizações das situações apresentadas – como se tal fosse a regra.
Um exemplo: recentemente, um canal de televisão insurgia-se contra o facto de as diretoras de lares gerirem e movimentarem as contas bancárias dos utentes – associando essa circunstância a apropriação para a entidade gestora dos montantes nelas depositados.
Não quer dizer que não possa haver movimentos irregulares. Mas o repórter não achou importante esclarecer que, em processos no âmbito do regime do maior acompanhado de residentes em lares, é frequente os tribunais nomear os diretores dos lares como acompanhantes, mesmo contra a vontade dos nomeados.
Nesses casos, que são numerosos – e que tenderão a ser predominantes, à medida que os Tribunais decretem o regime do maior acompanhado -, não só os diretores dos lares podem movimentar as contas bancárias dos utentes, como só eles, em caso de dependência do titular, o poderão fazer. Mas esse esclarecimento, se fosse apresentado, afastava o pendor justicialista que caracteriza tais programas.
Ora, como sabem os profissionais da comunicação social, uma meia-verdade é uma mentira. E como é sabido e explorado o negativo é que é notícia e tem audiência.
Outro exemplo: como refere o Expresso de 17 de março, existem em Portugal cerca de 1.600 lates de idosos pertencentes ao Sector Social Solidário, que a CNIS, a União das Misericórdias, a União das Mutualidades e a CONFECOOP representam.
Não se sabe quantos lares clandestinos existem, sem autorização de funcionamento pela Segurança Social. Mas devem ser outros tantos – sem licença, sem fiscalização.
Alguns desses lares são clandestinos mas não são desconhecidos e alguns também são clandestinos por dificuldades de legalização e porque há falta de resposta de lar.
É sabido, ou deveria sê-lo, que é nos lares clandestinos que ocorrem predominantemente deficiências de funcionamento. Ora, normalmente, quando servem o produto das suas reportagens, os “repórteres” também omitem a natureza dos lares: se são licenciados, ou se funcionam à margem da lei. São todos indiferenciadamente metidos no mesmo saco – como se fosse idêntico todo o universo desses equipamentos.
Numa das “reportagens” mais recentes, tentou-se associar a CNIS a práticas apresentadas como irregulares de associadas suas. Não de forma frontal, mas de maneira oblíqua, insidiosa. Ora, a CNIS, enquanto organização de cúpula do Sector Social Solidário, tem orgulho no papel que as suas filiadas têm desempenhado – e continuam a desempenhar – no sistema de proteção social do nosso país, desde o apoio às crianças e jovens ao acolhimento e prestação de serviços a idosos ou portadores de deficiência, refugiados ou migrantes, vítimas de violência doméstica ou menores em risco. O mesmo também se pode dizer da União das Misericórdias, da União das Mutualidades e da CONFECOOP.
Esse papel – e o modelo português de proteção social – foi reconhecido unanimemente como fundamental na resposta à pandemia e na mitigação dos efeitos devastadores causados pelo vírus.
A própria comunicação social fez-se eco desse papel e desse louvor. É certo que, como diz o povo, só se atiram pedras a árvores que dão bons frutos. Mas espera-se que os responsáveis editoriais dos canais televisivos velem pelo rigor da informação e não sirvam de viático ao registo populista que ameaça as nossas liberdades – e também a liberdade de informação. E por que não também fazer notícia de algumas das muitíssimas, boas e exemplares práticas? Poderia vender-se menos, mas acautelar-se-ia a promoção voluntária da dignidade humana e dos direitos dos mais frágeis.
* Presidente da CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade. Editorial do jornal Solidariedade.pt.
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