Preconceitos sobre a floresta são penalizadores para o sector

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Proteção florestal.

A noção da população em geral está cheia de preconceitos sobre a floresta e, embora esta população seja maioritariamente leiga em termos técnicos, acha-se suficientemente detentora de “verdades”, que são tendencialmente penalizadoras para o sector.

Por Nélia Aires *

Revendo o programa “Fronteiras XXI – Quanto Vale a Floresta?” transmitido na RTP em 16 de junho de 2021, deparei-me com um artigo / entrevista muito interessante ao Luis Neves Silva, do WWF, que começa com uma reflexão muito pertinente sobre a noção que a sociedade em geral tem da floresta, e que passo a citar:

“Precisamos que as pessoas voltem a apaixonar-se pelo mundo rural e adoptem novos estilos de vida, mas sem preconceitos. Ideias como que a agricultura intensiva é má, que a agricultura orgânica é que é boa, que o eucalipto é mau, que a floresta natural é que é boa. Precisamos de pessoas descomplexadas e dispostas a inventarem uma sociedade da sustentabilidade.”

Ora esta reflexão está na base deste meu artigo de opinião, no qual tentarei abordar a temática de como a “floresta” é percecionada pela sociedade em geral, maioritariamente leiga em termos técnicos mas suficientemente detentora de “verdades” tendencialmente penalizadoras para o sector florestal, e que se difundem nos meios de comunicação social, sobretudo nos períodos estivais posteriores ao trágico ano de 2017, em que os incêndios enchem as capas de jornais e são tema de abertura de noticiários televisivos.

Antes de mais, será relevante esclarecer a utilização do grafismo “floresta” no parágrafo anterior. De facto, o que a maioria da população conhece como “floresta” eu interpreto como território ou paisagem. E esta simples alteração de conceito pode ajudar, e muito, a inverter a atual conotação negativa, e tão desfavorável, que a sociedade tem do que realmente é uma floresta.
Comentário Nélia Aires Interior

Senão vejamos: quando irrompemos por essa internet adentro e nos deparamos com as notícias num qualquer motor de busca sobre o termo “floresta”, invariavelmente a grande maioria das notícias são sobre incêndios. E, claro está, como que se de uma verdade “de la Palisse” se tratasse, as florestas de produção (e as de eucalipto em particular) surgem inevitavelmente como a principal causa para tal flagelo. E este é um dos grandes preconceitos sobre a floresta que a nossa sociedade já assumiu como certos e que, invariavelmente, é o mote sempre que a floresta é tema de debate.

Na verdade, os incêndios são uma realidade da nossa paisagem e um agente de ação milenar no nosso território, que atua indiscriminadamente no uso e na ocupação do solo.

Colocar o ónus dos incêndios sobre um sector estrutural para a nossa economia, transmitindo para a sociedade civil o dogma de que “as extensas manchas verdes de floresta de hoje serão os incêndios de amanhã”, é um erro.

É verdade que os espaços de floresta são grandes acumuladores de vegetação, e consequentemente, de combustível e que, por isso, o risco é maior e a permanência e o efeito dos incêndios nestas áreas são mais sentidos. Mas depositar todo o ónus de tamanha catástrofe sobre um sector estrutural para a nossa economia, transmitindo para a sociedade civil o dogma de que “as extensas manchas verdes de floresta de hoje serão os incêndios de amanhã”, é um erro. Esta constatação levou, aliás, a que o termo “incêndios florestais” fosse revisto, e atualmente falamos em “incêndios rurais”, exatamente para evidenciar a sua ocorrência sobre o território rural, mais amplo e complexo do que apenas a floresta.

Por outro lado, conotar tão negativamente o sector florestal produtivo e as indústrias de base florestal que lhe estão associadas, responsáveis pela gestão de extensas áreas de floresta segundo padrões de gestão florestal sustentável reconhecidos e validados internacionalmente, é de uma injustiça tremenda. Injustiça sobretudo porque, apesar de a sociedade reconhecer a importância ambiental das florestas, é relutante em admitir que as funções de proteção dos solos e dos recursos hídricos, e de conservação ambiental são igualmente cumpridas em florestas geridas de forma sustentável para o cumprimento de um outro objetivo: o de obtenção de produtos de origem florestal (função designada como de produção).

Para o cumprimento dos objetivos de índole climática e ambiental assumidos pelo Estado Português e pela própria União Europeia, e para a intervenção individual que é exigida a cada um de nós na “emergência climática” que vivemos, um dos grandes desafios dos próximos anos no nosso país está, a meu ver, na capacidade da sociedade reinventar a paisagem. E, porque a floresta ocupa 33% do território, na capacidade de reinventar a maneira como olhamos, conhecemos e utilizamos a nossa floresta.

Esta ação de reinvenção passará sobretudo pela desmistificação de algumas verdades pré-concebidas e de outros tantos preconceitos sobre a floresta, e pelo reconhecimento abrangente do sector florestal como um todo. Um sector capaz de gerar riqueza ambiental, mas também social e, sobretudo, económica e que, como um todo, poderá cumprir eficazmente todas as funções que adota de forma una e indissociável (proteção, conservação, produção, silvopastoricia, recreio), e responder a todos os desafios que lhe são atribuídos.

A nova Estratégia Europeia para as Florestas negligência a conciliação das suas múltiplas funções e objetivos, assentando numa visão limitada, que espelha as noções da sociedade civil e os seus preconceitos sobre a floresta.

Este reconhecimento pela sociedade de que o papel da floresta é muito mais abrangente do que simplesmente a sua função ambiental é tanto mais premente quando a própria Comissão Europeia publica uma Estratégia Europeia para as Florestas que parece negligenciar as múltiplas funções da floresta, doutrinando numa perspetiva unilateral de conservação e de cumprimento exclusivo de objetivos ambientais. A nova estratégia florestal europeia descura a capacidade de a floresta poder acolher, em simultâneo, múltiplos objetivos e funções, sem que estes se contradigam ou inviabilizem. E o facto de a Comissão Europeia publicar uma nova estratégia que assenta nesta ideia tão limitada do que deverão ser as florestas em 2030 mostra bem como a sociedade civil em geral pensa a sua floresta e o que pretende para o seu futuro.

Parece-me, pois, fundamental que a sociedade civil seja cada vez mais bem informada, de forma factual, credível e isenta de preconceitos, recorrendo para tal a fontes de informação cada vez mais credíveis e cientificamente validadas, a estatísticas oficiais e robustas, a dados publicados por entidades reconhecidas. Fontes como o portal www.florestas.pt são um exemplo para uma boa comunicação e informação, capaz de desmistificar alguns preconceitos sobre a floresta e esclarecer devidamente a sociedade civil.

Mais do que doutrinar, a comunicação social deverá ser o veículo para a criação de massa critica, para a criação de opiniões fundamentadas, para o crescimento de ideias que suportem a reinvenção do nosso território e da nossa floresta. Em última análise, a comunicação de informação descomplexada e abrangente poderia contribuir para que a sociedade civil reagisse de forma crítica e construtiva à publicação da Estratégia Europeia para as Florestas 2030.

* Licenciada em Engenharia Florestal e dos Recursos Naturais, pelo Instituto Superior de Agronomia (2003), integra, desde 2016, a equipa técnica da AGRO.GES – Sociedade de Estudos e Projetos.. Artigo publicado originalmente no site Florestas.pt.

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