Numa altura em que o futuro da Saúde e o da Medicina têm sido tão debatidos, surgem inúmeros diagnósticos e uma variedade de propostas de tratamento. Mas importa fazer uma pausa e pensar: Qual é o propósito da Medicina? Quais são os princípios pelos quais nos pautamos?
Por Bernardo Lisboa Resende e Jaime Branco *
A Medicina assenta numa prática baseada na ciência e na decisão baseada na prova, pelo que as matérias de índole técnica e científica, são muitas vezes tidas como complexas e desafiantes. Mas, apesar disso, nunca nos trouxeram tantas dúvidas como a pergunta: O que é ser Médico? Todos já ouvimos, lemos ou, ainda, tentámos responder a esta questão, contudo a sua natureza é impossível de ser resumida a um conceito ou a uma frase.
Ser Médico não é uma questão cuja resposta seja finalizada na Faculdade, que se encontre nos livros de texto, em cursos ou outro tipo de plataforma. Ser Médico é algo que se compreende junto dos nossos doentes e junto dos nossos colegas e tutores.
Considerando que a Medicina tem de estar ao serviço e ao dispor das pessoas, é essencial refletir sobre os seus princípios fundacionais e elementares, para assim chegarmos à conclusão de que todo o seu potencial de vitalidade e futuro são os Jovens Médicos. É premente que se atribua o devido reconhecimento aos Jovens Médicos, profissionais tão importantes na Prática Médica e cuja desvalorização e desestima tem resultado no progressivo declínio do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e na contínua descaracterização do sistema de saúde. Com efeito, urge que se perspetive a sustentabilidade da Saúde baseada na priorização e no reforço da formação dos Jovens Médicos.
Vejamos: o desinvestimento na Saúde, particularizando no SNS, resulta numa comprometedora incapacidade de reter Médicos Especialistas, seja devido à falta de recursos ou à baixa autonomia contratual dos Serviços Médicos, pelo que os Jovens Médicos estão a perder formadores.
No último Concurso ao Internato da Formação Especializada, voltámos a assistir a Serviços Médicos sem qualquer Interno colocado. O descrédito causado pela incapacidade de conciliar uma boa qualidade de vida, com equilíbrio entre a carga laboral e o bem-estar mental resulta na perda visível e progressiva de Médicos Internos que os Hospitais e Cuidados de Saúde Primários estão a vivenciar, que com eles levam a sua capacidade, que é só sua, de estímulo, continuidade, renovação e progresso.
Os dois exemplos apresentados refletem claramente a adulteração e o comprometimento de um princípio basilar da Medicina: a formação e transmissão de conhecimentos às novas gerações de Profissionais. Esta problemática remete para a reflexão que inaugurou este texto: Qual é o propósito da Medicina? E o que é ser Médico? Não se é Médico completo sem ensinar e preparar os mais novos e o Sistema de Saúde terá o seu futuro e os seus desígnios penhorados enquanto não defender e valorizar a importância dos Médicos Internos.
De forma a priorizar a formação e realização profissional dos Médicos mais jovens e, afirmando a sua importância no desenvolvimento da qualidade da Medicina e na eficiência dos Cuidados de Saúde, defendemos as seguintes propostas:
• definição programada dos numerus clausus anuais, para formação pré-graduada, em função das necessidades nacionais;
• ampliação do valor do Fundo de Formação para Internos;
• disponibilização generalizada de plataformas de apoio à decisão clínica;
• limitação do número de horas semanais de urgência e de horas extraordinárias durante todo o período formativo;
• criação de formações, com creditação, para médicos não especialistas (p. ex. urgência de adultos, urgência pediátrica, geriatria);
• disponibilização de ferramentas, formação especifica e financiamento no apoio à investigação clínica e epidemiológica;
• flexibilização de horários, nomeadamente relacionados com a maternidade/paternidade ou os cuidados a outros dependentes.
A Saúde urge em mudar e essa mudança terá que responder à pergunta: O que é melhor para o doente? Certamente, não poderemos oferecer o melhor serviço aos nossos doentes enquanto esta simbiose não for alcançada. Pensar o futuro da Saúde é projetar um organismo integral, em constante desenvolvimento, que assegure não só a saúde dos doentes, como o futuro dos que deles já cuidam e vão continuar a cuidar: os Jovens Médicos.
* Respetivamente Médico Interno de Cardiologia no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra e Diretor do Serviço de Reumatologia do CHLO | Professor Catedrático da NOVA Medical School da Universidade Nova de Lisboa | Candidato a Bastonário da Ordem dos Médicos. Artigo publicado originalmente no site Healtnews.pt.
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