Portugal pode aspirar a ter marcas globais ?

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Imagem do site Centromarcas.
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Quando avançamos para os chamados bens transacionáveis, os dedos de duas mãos são mais do que suficientes para contar as marcas portuguesas com uma razoável notoriedade internacional.

Por Pedro Pimentel *

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Decorreu a edição 2024 do Growth Forum, uma interessante iniciativa da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (CCIP), que vai já na sua terceira edição. Para lá de uma, ao que me dizem, excelente intervenção de abertura do Ministro da Economia, Pedro Reis, a que não tive oportunidade de assistir e de outra sobre geopolítica e geoeconomia, a cargo de Paulo Portas, o evento assentou em três interessantes painéis sobre os temas da inteligência artificial, da produtividade e das marcas, que nos é, obviamente, mais próximo.

Este último painel, intitulado ‘Construir Marcas Globais num Contexto de Expansão Internacional’, foi moderado pelo CEO da Delta (e presidente da CCIP), Rui Miguel Nabeiro, e teve como participantes, João Epifânio, CSO da Altice, Cristina Amaro, CEO da Empower Brands House e pivot do programa Imagens de Marca e o presidente da Centromarca, Nuno Fernandes Thomaz.

Como é natural, falamos, eu e o Nuno, sobre as marcas globais portuguesas e, em boa verdade, existe apenas uma e chama-se CR7. Viaje-se pelas sete partidas do mundo e quando respondendo à pergunta ‘de onde é?’, retorquimos com um ‘de Portugal’, é invariável ouvir um sonoro ‘Cristiano Ronaldo’.

Outras marcas muito conhecidas internacionalmente estão umbilicalmente ligadas ao futebol: José Mourinho, Figo, Bernardo Silva… Podemos falar do fenómeno religioso de Fátima ou da ligação emocional ao Fado e aos nomes, por exemplo, de Amália Rodrigues ou mais recentemente de Mariza. Mas esta trilogia Futebol, Fátima e Fado, apesar de ainda relevante, soa, hoje, de forma bastante anacrónica.

Podemos juntar-lhe o Vinho do Porto ou o Vinho da Madeira, a Cortiça, o Azeite, a Sardinha ou marcas geográficas como o Algarve ou, nos últimos anos, a Nazaré.

Mas quando avançamos para os chamados bens transacionáveis, os dedos de duas mãos são mais do que suficientes para contar as marcas portuguesas com uma razoável notoriedade internacional: Mateus Rosé, Delta, Sandeman, Amorim, Salsa, Vista Alegre, Parfois… e poucas mais.

Dessa mesma conversa resultaram alguns tópicos que apoiassem o Nuno no desenvolvimento da sua participação naquele painel e de forma sucinta, elencamos cinco razões para tentar, ambiciosamente, contruir marcas globais. Desde logo porque essa é, provavelmente, a melhor forma de reforçar a capacidade de produção de riqueza da nossa economia. Depois, porque é um factor de adição de valor às nossas exportações e maior contributo para uma balança de transacções correntes mais sólida.

De seguida, porque gera a capacidade de remunerar mais adequadamente os diversos factores de produção, a começar pela força de trabalho e gera também um melhor aproveitamento das competências das nossas universidades e instituições de I&D.

E ainda porque permite ao país passar a ser reconhecido externamente não apenas pela Marca-Potugal (clima, praias, gastronomia, história, tradição) mas por existir também uma outra face da moeda, um Portugal-de-Marcas (verdadeiros embaixadores de Portugal no mundo) que adicione valor e notoriedade.

Não é, também, especialmente difícil identificar um conjunto sucinto de consequências que tendem a verificar-se quando um país tem dificuldades em contruir marcas que se imponham dentro e, especialmente, fora de fronteiras. A começar, desde logo, pela dificuldade de se aproximar e, menos ainda, de acompanhar os níveis de produtividade obtidos pelas economias ‘de marca’, as economias dos países onde o reconhecimento das marcas permite um rácio de valor/hora do trabalho muito superior aos das economias que ainda que poderosas em cadência, não o são no valor económico dos bens produzidos.

Isto significa uma efectiva perda de valor acrescentado na produção realizada em unidades industriais nacionais, muitas vezes a produzir para as melhores marcas à escala planetária, mas em que a incorporação do valor se faz pela marca (e fica nos países onde essa marca se ‘desenvolve’) e não pelo produto (deixando um ‘rasto’ muito mais curto nos países onde a transformação se realiza).

Significa uma perda de reconhecimento do país enquanto produtor de bens de valor, uma perda de reconhecimento do país enquanto local de destino de investimentos internacionais relevantes e de forte criação de valor acrescentado e uma dependência excessiva de contratos de outsourcing e co-packing realizado pelas grandes marcas internacionais.

Sim, é difícil inverter este estado-de-coisas, mas o lamuriar permanente e o baixar de braços do “aqui é impossível construir marcas internacionais” não fará, seguramente, mudar este estado de coisas e apenas nos faz atrasar, ainda mais, na recuperação desse atraso de décadas.

Há, pois, que apostar na inovação, na diferenciação e no design em prol de produtos com marca nacional. Apostar na efectiva internacionalização dos produtos e marcas portuguesas e não apenas na sua mera exportação. Apostar na construção de consórcios para a comercialização conjunta de marcas nacionais em mercados-alvo externos.

Há que investir mais fortemente no intangível, valorizar as marcas enquanto activo, majorando, por exemplo, os apoios a projectos que visem a internacionalização de marcas nacionais, comparticipando mais amplamente (via aumento do montante comparticipável) e mais aprofundadamente (via aumento da percentagem de comparticipação) a componente de construção, registo e comunicação de marca.

E, claro, há que construir e consolidar nas organizações, mas também na administração pública, uma verdadeira cultura de marca, uma cultura que imprima um novo ritmo à inovação, à diferenciação, ao design e à comunicação. Há que semear, para depois colher.

O debate naquele painel foi animado e basta passar os olhos pelas redes sociais para perceber que foi apreciado pelos que tiveram oportunidade de assistir, in loco, ao mesmo e que, como vários posts mostram, gerou alguma reflexão, mesmo que de forma relativamente moderada, sobre a percepção do empenho, foco, estratégia e investimento necessários para criar marcas globais em Portugal ou a partir de Portugal não tem de ser uma utopia.

E que basta olhar para alguns países cujos mercados são até bem mais curtos que o nacional – um dos melhores exemplos poderá ser o da Dinamarca – para compreender que a alavanca começa por estar sempre na ambição, floresce com inovação e não dispensa um elevado investimento em comunicação. Depois, é sempre preciso uma pitada de sorte. Mas como diz o povo, a sorte dá sempre muito trabalho.

* Director Geral da Centromarca. Artigo publicado originalmente no site da Centromarca.

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