Porque é que faltam casas em Portugal?

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Governo.
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As últimas semanas têm sido “intensas” no que diz respeito à discussão sobre o Problema da Habitação em Portugal. Diferentes perspectivas, posições muito divergentes e criação de um clima de muita incerteza e desconfiança entre Estado e Privados. Mas então, qual é o problema de base?

Por André Casaca *

Faltam casas no mercado. Para arrendamento e para venda. Além disso, a procura supera largamente a oferta, a todos os níveis, o que determina a subida dos preços de venda e arrendamento de forma significativa. Se a procura existe e absorve a oferta que se vai acrescentando ao mercado, porque é que não se produzem mais casas?

É preciso ter em conta que o Desenvolvimento de Projetos Imobiliários Residenciais (tal como outras classes de ativos) resulta da atividade de Promoção Imobiliária, que tem uma grande dependência de Capital Intensivo. O que é esta coisa da Promoção Imobiliária? Na minha opinião e salvo melhor definição, é a arte de planear, coordenar e desenvolver todas as atividades e processos que permitem o desenvolvimento de novos ativos imobiliários ou a reabilitação de ativos existentes, de acordo com as necessidades do mercado e a performance financeira desejada.

A necessidade de Capital Intensivo e o Longo Ciclo de Produção cria muitos desequilíbrios na “gestão de tesouraria”, elevando o risco do negócio para um patamar superior. Se acrescentarmos a falta de mão de obra , instabilidade da inflação e a subida das taxas de juro, temos todos os ingredientes para “assustar o Capital” (nem vale a pena falar das constante mudanças das regras do jogo e consequente falta de estabilidade fiscal e legislativa existente em Portugal, que muito afeta Planos de Negócio).

Uma coisa é certa, a produção de Casas pode ocorrer de duas formas:

– Reabilitação/Renovação/Recuperação de Ativos Existentes (Habitacionais ou Outras Classes de Ativos cuja alteração de uso seja permitida) sem condições de habitabilidade – Não existe uma grande possibilidade de produzir em escala, permitindo um maior controlo do custo de produção e aumento significativo da oferta;

– Edificação de Novos Fogos Habitacionais ou Construção Nova – Possibilidade de edificar em larga escala mas com muita dependência de regras urbanísticas totalmente desenquadradas das necessidades atuais do Mercado. Neste caso, o ciclo de desenvolvimento associado pode ser ainda mais longo, aumentando o risco do projeto devido ao comportamento da procura cujas necessidades mudam a um ritmo totalmente distinto do passado.

De acordo com os dados publicados no site PORDATA (https://www.pordata.pt/portugal/fogos+concluidos+em+construcoes+novas+para+habitacao+familiar+total+e+por+tipologia+do+fogo-189), podemos constatar que entre 1995 e 2008 (Ano do Subprime) concluiram-se cerca de 1 287 114 Novos Fogos. No entanto, registou-se uma queda vertiginosa entre 2009 e 2021, onde apenas se concluíram cerca 149 405 Novos Fogos, ou seja, para Intervalos temporais similares, temos uma redução no número de fogos concluídos de cerca de 88%.

É verdade que a crise financeira do “Subprime” trouxe muitos desafios ao setor, causando o desaparecimento de muitas empresas e obrigando muitos profissionais qualificados a procurarem outros países para continuarem as suas carreiras. Isto significou o desaparecimento massivo de muito conhecimento na arte de produzir casas. Além do mais, as condições de acesso a financiamento só começaram a melhorar em 2015, com a queda acentuada das Euribor.

Mas, também é verdade que o nosso Setor Residencial tem tido um comportamento muito positivo nos últimos anos, sobretudo a partir de 2017, tendo atraído capital de diversas geografias(do lado da procura e da oferta), tornando-se Global e uma referência a nível Europeu em termos de performance. As vendas em planta (ou “vendas antecipadas”) bateram todos os recordes, permitindo que alguns Planos de Negócio com margens mais curtas fossem/sejam bem sucedidos.

Importa ressalvar que o foco dos Promotores Imobiliários tem sido o desenvolvimento de Projetos Residenciais para um segmento médio/alto. Esta realidade indica uma mudança comportamental nos Promotores, “fugindo” de um segmento mais exposto a oscilações da economia e apostando num “nicho” mais resiliente, com rendimentos bastante superiores à média do País. Engane-se quem pensa que a oferta disponibilizada é absorvida apenas pelo Mercado Internacional. O Mercado Nacional tem representado a larga maioria das transações do mercado residencial. Dito isto, a interpretação “bruta” dos dados indica que a atividade de Promoção Imobiliária Residencial perdeu atratividade no que diz respeito á Construção Nova, ou à Construção com foco na classe média (Construção em Larga Escala).

Tenho plena consciência que estou a dar os primeiros passos no mundo da Promoção Imobiliária e ainda tenho muitas dúvidas e questões com que me deparo diariamente. No entanto, há uma questão que me acompanha desde que tive oportunidade de começar a participar no desenvolvimento de Projetos Residenciais: Tendo em conta as vicissitudes do nosso mercado (Burocracia, Carga Fiscal, Instabilidade Legislativa), será que desenvolver Habitação para a classe média paga o risco que se corre? A resposta parece-se simples. Existe um claro desequilíbrio entre o Binómio Risco/Retorno.

De acordo com o Eurostat (https://ec.europa.eu/eurostat/web/products-eurostat-news/w/DDN-20221219-3), o salário médio em Portugal foi de 19 300€ em 2021, ou seja, cerca de 1600€ mensais (não vamos complicar se é líquido ou bruto, etc). Imaginemos um casal jovem (entre os 25 e os 40 anos) cujo rendimento familiar ascende a 3200€ e que não deve alocar mais de 30%deste valor para o custo da sua habitação, ou seja, 960€. Qual a sua capacidade de endividamento? 270 000€? Vamos assumir que sim. O que compram com este valor?

Se tiverem um filho, em teoria necessitam de um apartamento T2 que em média deverá ter uma área entre os 75m2 e os 100m2, ou seja, poderão pagar entre 2700€/m2 e 3600€/m2. Isto se assumirmos um mundo perfeito onde o banco financia a 100%, uma vez que a capacidade para criar poupanças é muito baixa face aos custos de vida atuais. Se formos verificar o preço dos terrenos onde as “pessoas querem viver” e os restantes custos associados ao processo de desenvolvimento imobiliário, facilmente concluímos que as margens de lucro não existem ou são muito curtas para todo o risco envolvido. No contexto atual, é praticamente impossível desenvolver projetos para a classe média se não forem em larga escala. Estou plenamente consciente que existe um contexto social que tem que ser devidamente avaliado quando falamos de Habitação. É um direito dos cidadãos segundo a Constituição Portuguesa. Totalmente de acordo! No entanto, é preciso Investir e atrair Capital para desenvolver projetos para este segmento. Não se pode investir para perder dinheiro, ou fica pior a emenda que o soneto.

Qual a solução para este problema? Aumentar o rendimento das pessoas ou diminuir os custos de produção das Casas?

Se pudesse escolher, escolhia ambas.

As empresas têm capacidade para aumentar os ordenados dos seus colaboradores? Até acredito que algumas organizações o possam fazer. De todo o modo, não acredito que a maioria tenha essa capacidade. Há uma grande diferença entre o que a empresa paga ao colaborador e o que efetivamente chega ao seu bolso. Existe uma carga fiscal elevada.

É expectável que os custos de produção das casas diminuam? Não me parece. Os terrenos continuam com preços demasiado elevados. Os custos de construção não vão recuar. Apesar da estabilização no preço das matérias-primas, os custos de produção dos materiais também aumentaram. Não há que enganar. Além disso, a carga fiscal é pesadíssima como todos sabemos e não se preveem grandes alterações.

Em ambos os casos temos um denominador comum, a elevada carga fiscal. Sendo os impostos a única receita do Estado, não me parece que os possam diminuir tendo em conta o nível atual da Dívida Pública relativamente ao PIB. Apesar de não ter conhecimentos de Economia suficientes, sou da opinião que o alívio da carga fiscal poderia incentivar o crescimento económico. Meras contas de merceeiro. No entanto, acredito que a questão não é tão simples quanto parece quando o desequilíbrio entre população ativa e inativa é cada vez maior e a natalidade continua com níveis muitíssimos baixos (porque não há dinheiro para ter mais filhos).

Por último, resta-me abordar o tema de uma forma diferente. Se os custos de produção das casas não vão diminuir e o rendimento médio das pessoas que compram e arrendam as casas também não vai aumentar, temos que fazer casas mais pequenas, com qualidade e diminuir o seu ciclo de produção. Parece-me a única forma de fazer casas onde as pessoas querem viver (ou pelo menos, com uma proximidade “sustentável”). Não é necessário ser um génio para chegar a esta conclusão. É óbvio que seria fantástico observar uma redução na carga fiscal. A questão do IVA (23%) na Construção Nova é gritante. Há quem defenda que a redução do IVA para 6% tal como acontece na Reabilitação seria o suficiente para dinamizar o Investimento em Construção Nova e aumentar os níveis de oferta.

As necessidades da sociedade mudaram. Porque é o que planeamento urbano não muda? Porque é que a burocracia não muda?

As mudanças hoje acontecem a um ritmo totalmente diferente do passado. Não podemos ter planos urbanos rígidos e sem sensibilidade para as necessidades reais que existem atualmente e irão existir futuramente.

É necessária uma revisão profunda ao nível do Planeamento Urbano.

É necessária uma revisão profunda na forma como se planeiam, desenham e constroem as casas.

É necessário discutir mais soluções e menos problemas.

No final do dia, se não se criarem condições para que o investimento no Desenvolvimento de Projetos Habitacionais para a classe média seja atrativo e devidamente remunerado face ao risco envolvido, vamos ter MENOS HABITAÇÃO E MAIS PROBLEMAS.

Respondendo ao título desta reflexão, faltam casas no mercado porque o investimento no seu desenvolvimento não é atrativo.

* Consultor & Promotor Imobiliário. Artigo publicado originalmente em Diário Imobiliário.

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