Porque é que a Europa não vai conseguir

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União Europeia.

Todas as vezes que a União Europeia tem um problema grave convoca um comité de sábios e pede um relatório. O mais recente, sob a direção de Mario Draghi, foi apresentado a 9 de setembro com o tema decisivo: “O Futuro da Competitividade Europeia”, apresentando soluções para acelerar o crescimento e reduzir a distância para os EUA.

Por João César das Neves *

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O texto é sério, arguto e competente, mas apenas consegue provar que isso não vai acontecer. A primeira razão está na dimensão. Com quase 400 páginas, tem lá tudo o que se possa imaginar. Quem pretende mesmo mudar as coisas fala pouco e duro. Em 1989, o Relatório Delors lidou com a união económica e monetária em 36 páginas; desta vez, só o volume base tem o dobro (68). O texto inclui excelentes medidas, que podem fazer toda a diferença; mas refere tantos outros detalhes secundários que qualquer governo, sem fazer nada de jeito, poderá dizer que o está a cumprir.

Em segundo lugar, a própria proposta central manifesta a impossibilidade. O relatório afirma: “Para digitalizar e descarbonizar a economia e aumentar a capacidade de defesa da UE, a taxa total de investimento em relação ao PIB terá de aumentar cerca de 5 pontos percentuais do PIB da UE por ano, para níveis observados pela última vez nas décadas de 1960 e 70” (p. 14). Esta é uma proposta séria e eficaz, mas evidentemente irrealizável.

Aumentar o investimento implica aumentar a poupança, o que os hábitos de consumo europeu impedem. A Europa está a envelhecer, e o peso das pensões aumenta. Além disso a demagogia e o extremismo exacerbam interesses de classes, exigindo mais benesses. Com tal ânsia de redistribuição não resta dinheiro para investir. Claro que, se todos esperassem um pouco, os recursos seriam aplicados e depois haveria mais para repartir. Mas paciência e sensatez são bens muito escassos em tempos destes.

O terceiro problema está na perda do projeto original. A Europa nasceu como um espaço de abertura e interação, para contrariar o ódio e chauvinismo da guerra. Hoje, após três décadas de globalização, em todo o mundo, e também por cá, regressa-se aos velhos intervencionismo e protecionismo. A escolha de “campeões nacionais” e a defesa da produção local destrói a concorrência livre entre todos, gerando estagnação. O relatório afirma claramente o regresso aos princípios fundadores do mercado livre, mas, procurando delicadamente não chocar os poderosos, tolera a tolice de burocratas a decidir produções. Assim, não se cresce nem se inova.

Estas três razões chegam para garantir que o Relatório Draghi, apesar dos belos discursos e debates, não gerará mudanças reais. Só que a verdadeira causa do fiasco é mais profunda, provindo da estrutura cultural básica.

É muito fácil explicar porque uma economia não cresce: simplesmente está a fazer outra coisa. Só se inova, investe, produz e vende quando se está mesmo empenhado nisso. Na China, EUA e outras zonas é palpável a prioridade máxima dada à produtividade, competitividade e criatividade. Na Europa, mesmo no Relatório Draghi, ressaltam outras preocupações.

A União anda comprometida com a luta contra a pobreza e pelos direitos dos trabalhadores, a segurança social e a proteção do ambiente, o orgulho nacional e a especificidade regional, a estabilidade administrativa e outros excelente objetivos. Ninguém pode questionar o mérito a elevação destas finalidades, mas elas não são crescimento económico e em geral competem com ele. Só se aumenta a dimensão do bolo tirando uma parte do que se produziu para o investir na produção, de forma a que todos tenham mais. Se, com excelentes razões, dermos já aos que não produzem tudo aquilo que exigem, não conseguiremos crescer.

Para que a Europa retome um dinamismo na inovação e produtividade é preciso mudar e reformar muito daquilo que está. Isso implica falar pouco e duro, criando conflitos com inúmeras forças instaladas. O facto de o Relatório Draghi ter sido recebido em consenso unânime, sem urros de indignação, prova que ainda não é desta que a Europa consegue.

* Professor, economista. Artigo publicado originalmente no site Linktoleaders.

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