Por uma revisão ambiental ampla do IUC

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Avenida Lourenço Peixinho, Aveiro.

Face ao anúncio do Governo de que irá proceder a uma revisão do Imposto Único de Circulação (IUC) nos automóveis e motociclos anteriores a 2007 (categorias A e E), presumivelmente como forma de compensar a redução das portagens nas antigas SCUT, a ZERO encoraja o governo a melhorar a medida, tendo em conta duas razões fundamentais.

Por Francisco Ferreira *

Primeira, a ZERO considera um desperdício os anunciados 72 milhões de euros em descontos nas portagens de autoestradas que em muitos casos são paralelas a linhas ferroviárias com serviço de transporte de passageiros e carga. Este desconto é, na prática e no momento atual, um subsídio à rodovia e aos combustíveis fósseis, o que choca violentamente com as boas práticas em termos de políticas públicas ambientalmente responsáveis. Ao invés, deve-se investir na melhoria e reforço do serviço de transporte público de forma a fornecer alternativa viável e funcional a quem se desloca nesses percursos. Por isso, no entender da ZERO, o desconto anunciado não deve sequer materializar-se, logo não precisa de compensação.

Segunda, a ZERO não vê ligação plausível entre uma redução do valor cobrado em portagens e aumento do IUC por alargamento da tributação das emissões de dióxido de carbono (CO2) aos automóveis anteriores a 2007, nem como o primeiro pode justificar o segundo. Se o Governo quer tributar mais emissões por via do IUC, enquanto estratégia de conter essas emissões, não faz sentido que por via da redução dos custos das portagens as incentive.

No entanto, a ZERO considera legítimo e desejável que o critério emissões de CO2 em sede de IUC seja estendido aos automóveis anteriores a 2007, mas lembra que o aumento deste imposto nestes automóveis pode ser uma medida socialmente regressiva, pois aplica-se a automóveis mais antigos e de menor valor comercial cujos proprietários, por regra, apresentam rendimentos baixos.

Por isso, a ZERO sugere que a receita global de IUC conseguida com os veículos anteriores a 2007 não aumente. Em vez disso, propõe que a introdução da componente CO2 seja compensada por uma redução da componente cilindrada modelada de forma que o impacto final da alteração seja neutro em termos da receita total arrecadada pelo Estado. Recorde-se que, conforme a ZERO tem vindo a alertar, o critério da cilindrada do motor no IUC e no ISV está desatualizado por não refletir adequadamente os impactos ambientais dos diferentes veículos, e deve mesmo, nos exercícios futuros do Orçamento do Estado, ser substituído pelo critério peso. A ZERO pede mesmo, no âmbito de uma modernização ambiental do IUC e ISV, a introdução de uma cláusula no Orçamento do Estado para 2024 sobre a incorporação do peso nestes impostos a partir do Orçamento do Estado do ano seguinte.

A ZERO entende que o IUC deve refletir adequadamente os impactos ambientais, sociais e económicos dos diferentes veículos. Para os aferir de forma mais correta, a ZERO propõe um conjunto de princípios aplicáveis a todos os automóveis pelos quais uma desejável modernização ambiental do IUC se deve pautar:

– A componente ambiental não se deve cingir às emissões de CO2; ao invés, deve igualmente incluir um critério relacionado com a qualidade do ar, penalizando os automóveis mais prejudiciais neste aspeto. Nos poluentes mais determinantes da qualidade do ar em cidade (dióxido de azoto (NO2) e partículas finas), os automóveis mais antigos a gasóleo são significativamente mais poluentes que os a gasolina, pelo que os primeiros devem ter uma penalização adicional suficientemente alta e não meramente simbólica para desincentivar o seu uso. Esta componente ambiental pode assim ser função da norma EURO/data de matrícula do veículo e do combustível;

– Princípio da proporcionalidade – muitos dos veículos mais antigos, apesar de apresentarem emissões de CO2 por quilómetro relativamente elevadas, são moderadamente utilizados, e por isso a taxação deve ser proporcional à distância real percorrida por estes automóveis. Uma vez que essa distância é apurada em sede de inspeção automóvel, a ZERO sugere que a Autoridade Tributária possa usar esses dados para efeitos de cálculo do imposto tendo em conta a distância média percorrida nos e.g. três anos anteriores;

– O IUC não deve ser socialmente regressivo, i.e., não deve penalizar cegamente os proprietários de automóveis com menores rendimentos. A taxação deve ter em conta as emissões de CO2 constantes do Documento Único Automóvel.

– O IUC não deve incluir como critério a cilindrada do motor, pois é um critério desatualizado que não reflete adequadamente os impactos dos automóveis;

– O peso do veículo deve entrar como critério no apuramento do imposto, pois os veículos mais pesados causam um desgaste adicional no pavimento das estradas, representam maiores riscos em caso de acidente (para peões, por exemplo), e possuem uma pegada ecológica de fabrico maior (incluindo os elétricos).

A ZERO entende que o IUC aplicado a todos os automóveis, independentemente da idade, deve obedecer a estes princípios, pelo que sugere uma revisão geral do IUC à sua luz.

A transição energética no setor dos transportes deve ser socialmente justa e as medidas a adotar devem ser acompanhadas da previsão de redução de emissões prevista de modo a que todo o processo seja compreensível e aceitável.

Tendencialmente, as receitas dos impostos sobre os combustíveis rodoviários e os veículos motorizados deverão ser crescentemente consignados ao investimento num sistema de mobilidade terrestre que minimize o consumo de recursos naturais, que seja eletrificado, eficiente, eficaz e acessível a todos.

* Presidente da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável.

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