Por uma nova valorização dos trabalhadores portuários em Portugal

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Porto de Aveiro.

O tecido socioeconómico de Portugal, os trabalhadores portuários, vulgo “estivadores”, desempenham um papel crucial, sendo a espinha dorsal do comércio internacional e da logística marítima.

Por Iris Delgado *

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Contudo, e apesar de representar uma engrenagem essencial na economia marítima do país, este é um setor muitas vezes invisível aos olhos do grande público – ou, então, é apenas visível por ocasião das greves e de outras notícias menos abonatórias.

A estiva e o trabalho portuário em Portugal têm passado por várias fases ao longo das décadas, marcadas por mudanças tecnológicas, económicas e sociais:

Décadas de 1950 e 1960: Neste período, os portos portugueses eram principalmente locais de trabalho manual intensivo. A estiva era realizada maioritariamente à mão, com trabalhadores a carregar e descarregar navios. Os estivadores eram, na sua maioria, trabalhadores não especializados e as condições de trabalho eram muitas vezes duras e perigosas.

Décadas de 1970 e 1980: Durante estas décadas, começou a haver uma modernização gradual dos portos portugueses. Com a introdução de contentores e a mecanização do trabalho portuário, a natureza do trabalho dos estivadores começou a mudar. Estas mudanças levaram a uma redução da mão-de-obra necessária e a um aumento da especialização dos trabalhadores portuários.

Décadas de 1990 e 2000: Este período foi marcado por uma aceleração da modernização e automatização. A introdução de tecnologias avançadas nos portos, como gruas de grande porte e sistemas informatizados, transformou o setor. O trabalho tornou-se mais seguro e eficiente, mas também mais técnico, exigindo formação especializada dos trabalhadores.
Década de 2010 em diante: A indústria portuária em Portugal continuou a evoluir, com um foco crescente na eficiência, sustentabilidade e integração com a logística global. A era digital trouxe novos desafios e oportunidades, incluindo a necessidade de cibersegurança e de adaptação a sistemas logísticos globais complexos.

Ao longo destas décadas, o setor portuário em Portugal também foi influenciado por mudanças políticas e económicas, como a adesão à União Europeia e a globalização do comércio. Estas mudanças tiveram um impacto significativo na organização laboral, nas condições de trabalho e na formação dos trabalhadores portuários.

Portugal, como é próprio da sua condição geoestratégica, depende significativamente do comércio marítimo. Os portos portugueses são pontos nevrálgicos através dos quais fluem bens essenciais, desde matérias-primas a produtos acabados, destinados a mercados internacionais. Os estivadores são os responsáveis diretos pela eficiência deste fluxo comercial. Sem a sua perícia e trabalho, o ritmo do comércio marítimo seria gravemente comprometido, afetando não só a economia nacional, mas também as relações comerciais internacionais de Portugal.

Este reconhecimento não é apenas uma questão de justiça social; é um reconhecimento da realidade económica e da dependência do país em relação a este setor e a estes trabalhadores.

Todavia, e a despeito de sua importância estratégica há uma lacuna significativa na valorização e no reconhecimento destes profissionais. É imperativo reavaliar e promover a dignificação do trabalho de estiva, começando pelo reposicionamento da profissão na Classificação Nacional de Profissões (CNP) e pela revisão do regime de organização do trabalho portuário.

A posição atual dos estivadores na CNP está totalmente desfragmentada e desatualizada, não refletindo adequadamente a complexidade e a importância de suas funções. Muitas vezes, são vistos apenas como mão de obra braçal, ignorando-se a necessidade de habilidades técnicas, conhecimentos em segurança e logística, e a capacidade de operar equipamentos especializados. Com certeza não se preveem as green skills que serão cada vez mias exigidas aos trabalhadores portuários do futuro. Esta perceção desvalorizada impacta não só a autoestima dos trabalhadores, mas também influencia negativamente as políticas de emprego e salários no setor.

Olhando para outros países europeus vemos exemplos de maior valorização dos trabalhadores portuários, com melhores condições de trabalho e reconhecimento oficial. Portugal pode e deve – tem mesmo de! – aprender com estas práticas, adaptando-as à realidade nacional.

O trabalho portuário pode ser definido em diferentes termos. Numa definição restrita, o trabalho portuário refere-se ao carregamento ou descarregamento de navios. Numa definição mais ampla, o trabalho portuário refere-se a todas as formas de manuseamento de carga numa zona portuária, incluindo o enchimento e a remoção de contentores, a carga e descarga de embarcações de navegação interior, camiões e vagões ferroviários, e o armazenamento e processamento semi-industrial de mercadorias em armazéns e áreas de logística.

Em suma, os trabalhadores portuários são essenciais para o desempenho dos terminais e para a competitividade global dos portos – têm sido permanentemente desafiados pelas mudanças das exigências do mercado, o que tem resultado na reforma do trabalho portuário e em adaptações nas práticas de trabalho (Dr. Theo Notteboom em Port Economics, Management and Policy).

Os estivadores enfrentam desafios significativos, para além de um envelhecimento generalizado desta mão-de-obra. Os jovens também não parecem querer entrar neste mercado, não olhando para esta como uma verdadeira saída profissional, apesar dos propalados salários “acima da média”. As condições de trabalho são muitas vezes árduas, envolvendo longas horas e riscos físicos. A insegurança laboral, agravada por contratos precários, e a falta de reconhecimento profissional são problemas endémicos. Há, por isso, que abordar a questão por diferentes prismas. A revisão do regime de trabalho portuário deve tratar estes temas, garantindo maior segurança, estabilidade e justiça no trabalho.

Olhando para outros países europeus vemos exemplos de maior valorização dos trabalhadores portuários, com melhores condições de trabalho e reconhecimento oficial. Portugal pode e deve – tem mesmo de! – aprender com estas práticas, adaptando-as à realidade nacional.

Ao abordar a situação no setor portuário, é importante considerar vários fatores. Primeiramente, observa-se uma notável presença sindical neste setor, o que se destaca em comparação com outras áreas. Esta realidade tem-se manifestado através das greves organizadas pelo Sindicato dos Estivadores e da Atividade Logística (SEAL) nos últimos anos, particularmente nos portos de Lisboa e Setúbal, refletindo as dinâmicas existentes entre trabalhadores e operadores portuários. Estas greves destacam as tensões contínuas entre os trabalhadores portuários e as empresas que operam nos portos.

Por outro lado, a Federação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores Portuários (FNSTP) desempenha um papel importante na representação dos direitos e interesses dos trabalhadores portuários. A sua atuação tem sido central na promoção de melhorias nas condições de trabalho, na segurança e no reconhecimento da profissão. A Federação é um interveniente significativo nas negociações com o Governo e entidades empresariais, focando-se na revisão do regime de trabalho portuário e na reclassificação da profissão na CNP. A sua influência tem contribuído para a manutenção da paz laboral nos portos nacionais, um fator que tem sido crucial para a resiliência do setor durante os desafios impostos pela pandemia.

A apreciação adequada do trabalho dos estivadores em Portugal vai além de ser apenas um assunto laboral. É essencial reconhecer e reforçar este setor como um pilar fundamental para a economia do país e para a sua posição no comércio global. Atualizar a CNP e reformar o regime de trabalho nos portos são medidas essenciais para garantir um reconhecimento e valorização justos dos estivadores. Estas ações são cruciais, dado o papel significativo que os estivadores desempenham na economia marítima de Portugal.

* Mestre em Gestão Portuária, pela Escola Náutica Infante D. Henrique. Artigo publicado originalmente no site Transportes & Negócios.

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