Estou certo de que até o mais anónimo dos cidadãos sabe ver. E ouvir o que se disse e o tempo perdido em torno de estéril discussão sobre o Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2025. Ou mais precisa e obsessivamente apenas sobre duas medidas das centenas e centenas das que integram esse documento essencial para a vida do país. E para bem ver, seguramente ser anónimo é até condição para o saber fazer.
Por Rui Cernadas *
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Discutiu-se o chamado IRS Jovem e a proposta de descida da taxa de IRC para as empresas, as empresas que criam e sustentam emprego e geram a economia.
Tudo isto num país de velhos, um país que não pode dispensar os emigrantes porque deles carece como de pão para a boca. Um país que tem em risco a prazo a sustentabilidade dos seus reformados e das camadas que para essa situação se aproximam numa pirâmide etária francamente invertida.
O que não devemos é comportar ou proceder como anónimos porque isso seria uma rendição miserável e não faz parte do jogo social de cidadania!
A preparação do OGE deveria, para além do que é propalado, ser mesmo uma espécie de guião da governação e de responsabilização pelas principais linhas programáticas e estratégicas das autênticas opções do Estado para o futuro.
Porém raros são os anos em que, os desvios e atentados ao OGE pela consequência de decisões políticas, sejam do governo, sejam das maiorias circunstanciais parlamentares, não obrigam a apresentação de orçamentos rectificativos.
Neste contexto, a pobreza miserável da análise pública que se gerou em torno do OGE 2025, pese embora o rigor da invocação das tais linhas vermelhas – agora tão tristemente na moda do discurso partidário – tão oco no conteúdo quanto vazio de ideias, uma vez mais ignorou o financiamento da saúde e do SNS em particular.
Mas não me iludo, ao próximo encerramento pontual de uma urgência ou de um serviço de obstetrícia, ou quiçá de um parto numa ambulância algures numa auto-estrada perto de si, lá virão os actores habituais gritar em nome da defesa do SNS.
Onde estiveram desde Agosto?
Em 2024, o SNS sofreu uma anunciada e menos preparada reestruturação na formulação de prestação de cuidados, intenção e acção perpetrada pela Direcção Executiva anterior.
Avançou o plano de generalização das ULS, das USF que em muitos locais apenas trocaram de designação e a tentativa de dinamização da organização interna dos hospitais em CRI.
Como se sabe inequivocamente também não existe qualquer evidência pública ou académica que sustente ou demonstre que a integração vertical de cuidados primários e hospitalares em ULS seja vantajosa. Nem quanto aos resultados em saúde e muito menos nos económicos e financeiros.
Aliás, é por isso que ao longo destes meses tenho vindo a reclamar, qual Velho do Restelo (por acaso o famoso óleo de Columbano faz este ano 120 anos…), que seria importante que este Ministério da Saúde e a actual Direcção Executiva do SNS esclarecessem sobre a
informação utilizada pelos antecessores respectivos para suporte e tomada da decisão de alargamento das ULS ao país e à extinção das ARS’s.
São muitas as vozes de economistas no terreno e em sectores ligados à Academia que, a este propósito sublinham que não é líquido que o princípio do financiamento por capitação nas ULS se traduza ou corresponda a um maior controlo orçamental.
São ainda de referir mais duas notas a este respeito. Onde estão os mecanismos ou métodos de identificação precoce e penalização das ineficiências da gestão?
E que medidas para impedir ou limitar as tradicionais e pecaminosas injeções extraordinárias de capital nas ULS e outros organismos públicos cujo sentido será o de anular o esforço de ganhos de eficiência que se pretende fomentar pela via escolhida das ULS e de financiamento por capitação?
“Que triunfos, que palmas, que vitórias?” (1) -Os Lusíadas, Canto IV, 97
* Médico de Família. Artigo publicado originalmente no site Healthnews.pt.
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