
Sempre foi fascinante observar como certas pessoas conseguem fazer da política uma carreira profissional vitalícia, saltando agilmente entre cargos públicos, empresas municipais, entidades regionais ou comunidades intermunicipais, sem qualquer racionalidade aparente ou preocupação com coerência e serviço público. É aquilo a que poderíamos chamar de “política saltimbanco”: indivíduos sem grande currículo profissional fora das estruturas partidárias, que passam anos (ou décadas) a transitar confortavelmente entre funções que, embora possam não oferecer grandes salários, parecem garantir-lhes segurança e visibilidade.
Por Francisco Albuquerque *
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Num país onde o salário médio continua muito abaixo dos desejados patamares europeus, é legítimo perguntar o que leva pessoas a disputarem com unhas e dentes cargos supostamente pouco atrativos financeiramente, como o de vereador ou presidente de Câmara, que oficialmente pagam cerca de dois ou três mil euros líquidos. Estranhamente, há verdadeiras guerras internas e disputas acesas por essas posições, com traições, golpes baixos e estratégias maquiavélicas que nada ficam a dever às melhores intrigas televisivas.
A questão central é que muitos desses cargos escondem benefícios menos evidentes e muito mais atrativos: influência, capacidade de decisão sobre investimentos, controlo sobre adjudicações ou mesmo a possibilidade de distribuir lugares e favores políticos. Esse poder, combinado com a ausência de verdadeiro escrutínio, faz com que os cargos públicos sejam apetecíveis sobretudo por aqueles que não têm grande vocação para desafios profissionais mais exigentes ou transparentes.
É por isso que observamos, frequentemente, vereadores a transitarem para cargos de administração em empresas públicas ou comunidades intermunicipais, saltando depois novamente para listas partidárias noutras eleições, num ciclo perpétuo que lhes assegura um estilo de vida privilegiado e relativamente protegido. Esta mobilidade “saltimbanca” promove um ambiente onde a competência técnica ou profissional fica diluída no domínio das ligações pessoais e partidárias, contribuindo para o descrédito generalizado da classe política junto dos cidadãos.
Enquanto estes ciclos continuarem a ser aceites sem contestação, enquanto os aparelhos partidários preferirem premiar a lealdade em detrimento da competência, continuaremos a assistir a este triste espetáculo onde a política é menos um serviço público e mais uma forma de vida confortável e protegida. Um dia, talvez, perceberemos que cargos públicos não deveriam ser trampolins de carreira, mas lugares de responsabilidade, exigência e vocação genuína. Até lá, continuaremos a ter políticos saltimbancos, mestres na arte de cair sempre de pé. Os cidadãos e o município que se amanhem.
* Gestor Industrial.
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