“Pé de Feijão”: Beleza e mensagem

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Pé de feijão, CERCIESTA.
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O filme “Pé de Feijão” da CERCIESTA voltou a seduzir os espetadores aquando das recentes exibições na Associação Cultural e Recreativa de Valdágua, no passado dia 11 de Julho e no conceituado Festival de cinema de Avanca, no passado dia 31 de Julho, onde mereceu uma menção honrosa e um destaque noticioso. Este é, acima de tudo, o reconhecimento do longo trabalho desenvolvido pela CERCIESTA na promoção da inclusão social das pessoas com deficiência através das artes.

Por Mónica Amaral *

Só voltando atrás no tempo – a um tempo que a todos nos surpreendeu pelo inesperado de uma pandemia- se consegue perceber como surge esta aposta inovadora da CERCIESTA. A cronologia demonstra a imensidão do desafio, mas acima de tudo, a enorme vontade de superação, a determinação em fazer diferente para combater a indiferença e transpor as diferenças.

Março de 2020. Covid. Confinamento. Paralisia, inação, medo e impotência. Projetos em suspenso, atividades canceladas, instituições encerradas. Isolamento.

Abril de 2020. Desesperança. Mantem-se o isolamento. Sensação de regressão, de perda das conquistas sociais e direitos adquiridos ao longo de anos. Cruel dualidade entre a inclusão social e o isolamento social. Hora de tomar decisões e reagir, pois ficar à deriva num mar tumultuoso não era opção.
A CERCIESTA assume o leme e traça o rumo.

O projeto DiferenciArte – projeto artístico desenvolvido desde 2013 com o apoio financeiro do Instituto Nacional de Reabilitação – teria que se reinventar. É apresentada a proposta para a realização de uma produção cinematográfica aos formadores das diferentes oficinas do projeto DiferenciArte. Seria assim possível que estes artistas mantivessem um vínculo laboral com a CERCIESTA e um incentivo profissional acrescido, numa época em que o mundo artístico também ficou em suspenso, e simultaneamente manter os nossos utentes focados numa atividade desafiante e estimulante, que permitisse encontrar um novo equilíbrio e alento num mundo virado ao contrário. E se o mundo nos coloca “de pernas para o ar”, não adianta fechar os olhos e esperar que volte ao normal. Será bem melhor aprender a observá-lo de uma perspetiva diferente que, quiçá, nos poderá até surpreender.

Maio de 2020. A direção artística do projeto, a cargo de dois diretores da CERCIESTA – Mónica Amaral e João Barros traça o plano e objetivos de trabalho, ponderando todas as dificuldades esperadas e as necessárias alterações instituições, por forma a salvaguardar o plano de contingência e minimizar quaisquer riscos.

Reúne-se a equipa de trabalho que, para além dos dois elementos da CERCIESTA na direção artística e coordenação do projeto, é composta por Gabriela Frutuosa, formadora da oficina de dança, Leandro Ribeiro, formador da oficina de teatro e Paulo D´Alva, formador da oficina de cinema de animação (a que mais tarde se viria a juntar o experiente realizador António Pinto) e é apresentada a temática a explorar – moinhos.

A temática escolhida, trabalhada posteriormente por todos os profissionais do projeto, não foi aleatória. Nem tão pouco a aposta num “filme de época”. A direção artística apresentou a proposta por esta permitir, por um lado, valorizar e integrar tradições e ofícios locais e, por outro lado, facilitar a identificação dos utentes com o trabalho artístico a desenvolver. Porque o tempo seria curto e os desafios seriam gigantes.

Maio a Setembro de 2020. Os desafios e as tarefas multiplicam-se para que a produção cinematográfica venha a ser uma realidade. Roteiro, guião. Alteração do guião. Uma e outra vez. Muitos contributos, muitas partilhas, muitas risadas no processo. Uma obra que nasce de um coletivo pensante é sempre uma obra prima – nela se reúnem diferentes sensibilidades, diferentes estilos criativos, diferentes linguagens. Nela as diferenças se encontram e se esmiúçam para construir o belo.

Seguiu-se a rigorosa seleção dos locais de filmagens (a rodagem decorreu em mais de uma dezena de espaços diferentes!). Os figurinos, a cenografia e adereços. Pesquisa. Autorizações. Seleção musical. Direitos de autor. Pedidos de apoio. Cronogramas. Seleção e constituição do elenco interno e externo.

Outubro de 2020. 3,2,1. Ação! Iniciam-se as filmagens. Junta-se à equipa, por sugestão do Paulo d Álva – tal a envergadura do projeto –António Pinto. Por trás de cada cena, há um sem número de episódios que recordamos. Orientar mais de 25 utentes da CERCIESTA, em plena pandemia foi uma tarefa colossal. A resiliência e responsabilidade de cada um deles neste processo deveria ser merecedora de um óscar de profissionalismo. Quanto orgulho em trabalhar com pessoas que se respeitam, que respeitam os outros, que compreendem as contingências do momento, que se focam em encontrar soluções e não em destacar os problemas, que se mantêm de sorriso no rosto mesmo quando ele se craveja de cansaço.

Novembro de 2020. Tic-Tac. O relógio não pára, as normas e regras do Covid-19 tornam-se cada vez mais restritas e a consciência de que o tempo urge, porque a qualquer instante a pandemia nos troca as voltas, exerce pressão em todos nós. Desistir, suspender ou adiar poderia ser uma opção, tal a monstruosidade do que ainda faltava fazer. Não obstante as dificuldades constantes, que já são naturais nestes processos e que a pandemia muito reforçou, foi a dedicação, brio e competência profissional da equipa e o empenho e ânimo dos utentes que alimentou o desejo comum de apresentar, sob qualquer circunstância, um filme com qualidade e sensibilidade. Todos mereciam esse momento.

Dezembro de 2020. Trailler. Teaser. Festival DiferenciArte – lançamento do filme “Pé de Feijão”. Pela primeira vez, os artistas da CERCIESTA não estariam em palco mas sentados à espera de se verem na tela do cinema. Nem por isso a ansiedade e nervosismo foram menores, bem se sentia no tremelicar constante das pernas, nas unhas a serem roídas, nos suspiros e agitação miudinha. O aplauso caloroso do público ajudou, uma vez mais, a temperar as emoções e o nervosismo deu lugar ao orgulho.

A CERCIESTA sente, de facto, um orgulho enorme pelo seu filme “Pé de Feijão”. Mais do que uma história de sonhos, de encontros e desencontros, é um poema vivo sobre a inclusão e a superação. Uma analogia mais do que perfeita sobre o trabalho e missão da CERCIESTA. Nós nada mais somos do que o moleiro, que apoia e percorre os caminhos da vida, com o peso da responsabilidade às costas, mas amparando sempre e sem hesitação os sonhos de cada um dos nossos artistas.

Agradecemos reconhecidamente a cada uma das pessoas que acreditou no projeto e que para ele contribuiu, com a cedência de espaços para filmagens, figurinos, adereços e apoio logístico. Um agradecimento especial à Clara Oliveira que, graciosamente, deu a voz à narrativa.

A todos os anónimos que nos acompanham e que pela CERCIESTA nutrem um carinho especial, muito obrigada. A vossa presença no DiferenciArte e nos outros momentos de exibição do filme, as mensagens de apoio nas redes sociais, são a força motriz que nos faz acreditar que transportar o nosso moinho pelos caminhos da vida vale a pena. São a rajada de vento que faz girar as velas e mover a mó pesada de pedra que, inerte no seu canto, ganha assim ritmo e força.

* Coordenadora do DiferenciArte – projeto artístico da CERCIESTA (Estarreja).

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