Passagem de Aristides de Sousa Mendes por Aveiro: A família e os lugares

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Aristides de Sousa Mendes (foto divulgada pela Fundação ristides de Sousa Mendes).

Em maio de 2024 completam-se 130 anos da chegada de Aristides de Sousa Mendes a Aveiro, cidade onde viveu até meados de 1900. Aqui, estudou no antigo Liceu de Aveiro (atual Escola Secundária Homem Cristo) do ano letivo de 1895-1896 até ao final do ano letivo de 1899-1900.

Por Cardoso Ferreira *

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No ano de 1894, o casal José de Sousa Mendes e Maria Angelina Ribeiro de Abranches, acompanhados pelos filhos gémeos Aristides e César, fixou residência na cidade de Aveiro, terra para onde José de Sousa Mendes exerceu a função de Delegado do Procurador Régio, entre 26 de maio de 1894 e 11 de janeiro de 1899. São poucos os dados sobre o local onde a família Sousa Mendes residiu em Aveiro, sabendo-se apenas que teria sido num imóvel situado na Rua do Gravito, uma vez que no livro “Rol dos Confessados”, da freguesia da Vera Cruz, referente ao período 1894 – 1900, regista a presença da família Sousa Mendes, constituída por José de Sousa Mendes, de 41 anos de idade, Maria Angelina Ribeiro de Abranches, de 37 anos de idade, César de Sousa Mendes e Aristides de Sousa Mendes, ambos, com 12 anos de idade, e ainda um sobrinho do casal, de nome Silvério Coelho de Sousa Mendes, com a idade de 11 anos, bem como uma outra pessoa, de nome Delfina, de 42 anos de idade. O nome de José de Sousa Mendes, surge inscrito no Assento de Irmãos da Irmandade do Senhor Jesus dos Passos, como morador no Gravito, e com a profissão de Delegado. Na altura, e desde 31 de março de 1884, essa Irmandade estava sedeada na igreja do extinto Convento do Carmo, de Aveiro.

José de Sousa Mendes – de Delegado do Procurador a Juiz da Relação

José de Sousa Mendes, filho de Manuel Alves de Sousa e de Raquel Augusta Mendes da Gama, nasceu no dia 2 de janeiro de 1857, no lugar de Beijós, freguesia de Cabanas de Viriato (concelho de Carregal do Sal). Maria Angelina Ribeiro de Abranches, natural de Midões, era filha de Silvério Coelho Pais do Amaral e de Maria dos Prazeres Ribeiro Abranches. Aveiro foi a última comarca em que José de Sousa Mendes exerceu as funções de delegado do procurador régio. Quando deixou Aveiro, foi assumir o cargo de juiz. De acordo com informações prestadas pelo Conselho Superior de Magistratura, José de Sousa Mendes esteve na Comarca de Aveiro, como Delegado do Procurador Régio entre 26 de maio de 1894 e 11 de janeiro de 1899. No dia 12 de janeiro de 1899, tomou posse, na qualidade de Juiz de Direito de 3.ª Classe, da Comarca de Povoação, nos Açores, localidade onde só permaneceu alguns meses, uma vez que no dia 23 de junho de 1899 foi transferido para a Comarca do Redondo.

Conforme informações publicadas no “Almanak Aveirense”, no ano de 1895, para além do delegado do procurador régio, José de Sousa Mendes, na Comarca de Aveiro exerciam funções o juiz de direito Alexandre de Sousa e Melo, o contador Joaquim Manuel Ruela, os escrivães de direito Arnaldo Augusto Álvares Fortuna, António Augusto Duarte e Silva, Silvério Augusto Barbosa de Magalhães, Evaristo Correia da Rocha e Leandro Augusto Pinto do Souto, os oficias de diligências Joaquim Teixeira da Costa, Silvestre José de Oliveira, João da Rocha Carola e António Augusto de Almeida, e o carcereiro Augusto José de Carvalho. Ainda nesse mesmo ano de 1895, e como era noticiado na edição de 28 de setembro do jornal “Campeão das Províncias”, por iniciativa da Câmara Municipal de Aveiro, estavam a decorrer obras de reparação “na sala e anexos do tribunal judicial desta comarca”, pelo que o mesmo estava “em funcionamento na sala de sessões da câmara municipal deste concelho”, que já era o atual edifício dos Paços do Concelho.

José de Sousa Mendes faleceu no dia 25 de agosto de 1921, na cidade de Coimbra, onde exerceu a função de Juiz Desembargador no Tribunal da Relação de Coimbra. A esposa, Maria Angelina Ribeiro de Abranches faleceu em Cabanas de Viriato, no dia 7 de outubro de 1931. Para além de bacharel em Direito, pela Universidade de Coimbra (1880), José de Sousa Mendes também tinha estudado Teologia nessa mesma cidade. Iniciou a sua carreira judicial no ano de 1885. Foi Delegado do Procurador Régio nas comarcas de Vila Nova de Foz Côa, de Mafra e de Aveiro. Como Juiz de Direito, esteve nas comarcas de Povoação, Redondo, Ancião, Arouca, Montemor-o-Velho, Mangualde, Ovar, Viseu e Coimbra. Nesta última cidade terminou a sua carreira judicial, nas funções de Juiz Desembargador da Relação de Coimbra.

José Paulo de Sousa Mendes

O irmão mais novo de Aristides de Sousa Mendes, de nome completo, José Paulo de Sousa Mendes do Amaral e Abranches, nasceu provavelmente em Aveiro, no dia 13 de outubro de 1895, poucos meses após a chegada dos pais a esta cidade. Não foi possível apurar o local e data do seu falecimento. São poucos os dados biográficos sobre o irmão mais novo de Aristides de Sousa Mendes. No que se refere à sua atividade profissional, há informações que o referenciam como oficial (primeiro-tenente) da Armada e, posteriormente, como oficial da Marinha Mercante. O seu filho, José Agostinho de Sousa Mendes, também seguiu a carreira militar na Marinha Portuguesa, atingindo o posto de capitão-de-ar-e-guerra, carreira que conciliou com a investigação histórica, principalmente na área da Marinha e da Arqueologia Naval, sendo autor da obra “75 anos no mar. 1910 – 1985”, publicada em 11 volumes, o último dos quais já a título póstumo.

Imagem partilhada por Carlos Alberto O. Sousa.

Gémeos César e Aristides em Aveiro

Naturais de Cabanas de Viriato, César de Sousa Mendes nasceu ao final do dia 18 de julho de 1885, enquanto o seu irmão Aristides nasceu cerca de cinco horas mais tarde, já na madrugada do dia 19 de julho de 1885. Faleceram, respetivamente, nos dias 10 de agosto de 1955 (em Mangualde) e 3 de abril de 1954 (em Lisboa). Até chegarem à cidade de Aveiro, os gémeos frequentaram escolas nas localidades onde o pai exerceu funções. Como chegaram a Aveiro em maio de 1894, os gémeos possivelmente ainda frequentaram o último ano do ensino primário (ano letivo 1894-1895) em Aveiro. No entanto, o certo é que os primeiros cinco anos do ensino liceal foram realizados no então Liceu Nacional de Aveiro (edifício onde atualmente está instalada a Escola Homem Cristo), deixando este estabelecimento de ensino no final do ano letivo 1899/1900. Também o primo deles, Silvério Coelho de Sousa Mendes estudou durante dois anos no Liceu de Aveiro, nos anos letivos 1897-1898 e 1898-1899, onde fez o primeiro e o segundo ano do liceu. A par dos estudos, e também devido às possibilidades económicas dos pais, os dois irmãos interessam-se por literatura e música. Por esse motivo, Aristides aprendeu a tocar violoncelo e piano.

Apesar de haver biógrafos de Aristides de Sousa Mendes que referem que nos anos letivos 1900/1901 e 1901/1902, e até ingressarem na Universidade de Coimbra, no ano de 1902, os gémeos continuaram em Aveiro, isso não aconteceu. Nesses dois anos letivos, os gémeos Sousa Mendes estiveram matriculados no então Liceu Nacional de Évora, cidade bastante mais perto da então vila de Redondo, onde o pai exercia as funções de juiz. Os irmãos Sousa Mendes residiam com os pais numa habitação da Rua do Gravito, na antiga freguesia da Vera Cruz, num local próximo do extinto Colégio Aveirense, onde os gémeos residiram durante o ano letivo 1899/1900. Ainda nessa freguesia ficava a Igreja do Carmo. O Liceu Nacional de Aveiro (atual Escola Secundária Homem Cristo) está localizado na antiga freguesia da Glória, próximo do Canal Central (ria), ao lado do edifício dos Paços do Concelho, onde. Na altura, também funcionava o Tribunal de Aveiro. Hoje, as duas freguesias integram a União de Freguesias da Glória e Vera Cruz.

Rua do Gravito, Aveiro.

Alunos no Liceu Nacional de Aveiro

De acordo com as informações publicadas no “Anuário do Liceu Nacional de Aveiro”, referentes aos cinco anos letivos em que César e Aristides frequentaram essa escola, que tinha por reitor Francisco Augusto da Fonseca Regala, os gémeos tiveram, no ano letivo de 1895/96, os seguintes professores: João da Maia Romão (Desenho), Álvaro de Moura Coutinho de Almeida Eça (Literatura Portuguesa), José Rodrigues Soares (Francês), Albino Dias Ladeira de Castro (Inglês), Manuel Rodrigues Vieira (História e Latim), Ildefonso Marques Mano (Geografia e Filosofia) e José Marques de Castilho (Latim). No ano letivo 1896/1897, os professores foram: Álvaro de Moura Coutinho de Almeida Eça (Português), José Rodrigues Soares (Francês), Manuel Rodrigues Vieira (Geografia e História), João da Maia Romão (Desenho), Ildefonso Marques Mano (Ciências Naturais e Latim) e António Carlos Cardoso de Lemos (Latim).

Os professores no ano letivo 1897/1898 foram: José Rodrigues Soares (Francês), Albino Dias Ladeira de Castro (Inglês e Alemão), Manuel Rodrigues Vieira (Português), Álvaro de Moura Coutinho de Almeida Eça (História), João da Maia Romão (Desenho), José Marques de Castilho (Latim), Elias Fernandes Pereira (Matemática) e Ildefonso Marques Mano (Geografia).

No ano letivo 1898/1899, os professores foram: Manuel Rodrigues Vieira (Português, Geografia e História), José Rodrigues Soares (Francês), José Marques de Castilho (Latim), Albino Dias Ladeira de Castro (Inglês e Alemão), Manuel Gonçalves de Figueiredo (Matemática), Elias Fernandes Pereira (Ciências Naturais) e João da Maia Romão (Desenho). Finalmente, no ano letivo 1899/1900, os professores foram: Ildefonso Marques Mano (Português e História), José Marques de Castilho (Latim), José Rodrigues Soares (Francês), Albino Dias Ladeira de Castro (Alemão), Manuel Rodrigues Vieira (Geografia), Elias Fernandes Pereira (Ciências Naturais) e Francisco Augusto da Silva Rocha (Desenho).

No ano letivo 1899/1900, o quinto ano era frequentado por 12 alunos: César e Aristides de Sousa Mendes, Alfredo Rodrigues Coelho de Magalhães (de Frossos), Álvaro dos Santos Pato (de Troviscal), Caetano Tavares Afonso e Cunha (de Pardilhó), Dinis Severo Correia de Carvalho (do Porto), Fernão Corte Real da Fonseca (de Águeda), Jaime Dagoberto de Melo Freitas (de Aveiro), Jaime Pinto Osório (de Nova Goa), Joaquim Augusto Tavares da Silva (de Aveiro), Manuel Ferreira Canha (de Aveiro) e Manuel de Vasconcelos C. Meneses (de Marco de Canaveses).

Antigo Liceu de Aveiro (Atual Secundária Homem Cristo). A fachada desta parte do edifício remonta à década de 1860 (Foto de Cardoso Ferreira).

No último ano em que frequentaram o Liceu Nacional de Aveiro, os irmãos Sousa Mendes aparecem como internos do Colégio Aveirense. Esse internamento poderá dever-se ao facto de em meados desse ano letivo (janeiro de 1899), o pai ter sido colocado nos Açores, e no mês de junho no Alentejo (Redondo), podendo este ter sido acompanhado pela esposa e pelo filho mais novo, ficando os gémeos em Aveiro.

Carreira diplomática de Aristides e César

Apesar de formados em Direito pela Universidade de Coimbra (1907), os irmãos César e Aristides seguiram a carreira diplomática, área em que se especializaram nessa mesma universidade, no ano de 1910.  Aristides de Sousa Mendes é mundialmente conhecido por ter passado milhares de vistos a judeus e outros perseguidos pelo regime nazi em França, conseguindo assim salvar milhares de vidas, facto que, no entanto, lhe ditou o fim da carreira diplomática e o condenou a um final de vida na pobreza. Um dado menos conhecido da carreira diplomática de Aristides de Sousa Mendes é o facto de, em 1928, então Cônsul de Portugal na cidade espanhola de Vigo, ter sido escolhido pelo governo português para transportar a Irmã Lúcia (a única vidente de Fátima então ainda viva) de Coimbra para o convento de Tuy (Espanha).

César de Sousa Mendes foi nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros quando Salazar tomou posse como Presidente do Conselho de Ministros (primeiro-ministro).
Muito menos mediático do que o irmão Aristides, César de Sousa Mendes também ajudou a salvar algumas pessoas perseguidas pelo regime nazi. No ano de 1939, quando César Sousa Mendes era Embaixador de Portugal em Varsóvia, a capital polaca foi invadida pelas forças alemãs, tendo o diplomata português abrigado na cave da sua casa vários polacos durante cerca de três semanas que, desse modo, se salvaram dos intensos bombardeamentos de que a cidade foi alvo.

Na primavera do ano seguinte, César de Sousa Mendes chefiou temporariamente a missão diplomática portuguesa na Letónia, para onde levou Cecylia Dolata, tornando-a membro fictício da sua equipa diplomática. A seguir, autorizou o cônsul em Riga a emitir um passaporte português para essa polaca, que corria risco de vida no seu país, poder fugir para Portugal, país onde tinha trabalhado durante dez anos como professora de línguas.

Silvério Coelho de Sousa Mendes

Silvério Coelho de Sousa Mendes nasceu em Cabanas de Viriato (Carregal do Sal), no dia 24 de abril de 1887, e faleceu em Lisboa, no dia 11 de janeiro de 1962. Era filho de António de Sousa Mendes e de Clotilde Ribeiro de Abranches. Foi casado com Maria da Conceição Moncada Alpoim de Sousa Mendes.

Profissionalmente, desempenhou diversos postos na Marinha Portuguesa, tendo sido Capitão de Fragata, Engenheiro Construtor Naval e Doutor em Engenharia “Regia Scuola Superiori di Genova”. Em 1924 assumiu a direção da Cordoaria Nacional, tendo sido o primeiro oficial da Armada e engenheiro construtor naval a desempenhar essas funções.
Foi condecorado com o Grau de Comendador da Ordem Militar de Santiago da Espada e com o Grau de Comendador da Ordem Militar de Avis.

Erros em obras biográficas

Os dados documentados sobre a estadia de Aristides de Sousa Mendes em Aveiro permitem corrigir algumas informações contidas em biografias do Cônsul de Portugal em Bordéus.

Aristides (e o irmão César) viveram cerca de seis anos em Aveiro, e os pais cerca de quatro anos e meio, e não, como refere António Moncada de Sousa Mendes, na sua obra “Aristides de Sousa Mendes. Memórias de um Neto” (editada em 2017, pela Desassossego): “Os gémeos mudaram muitas vezes de casa e de terra. Nasceram em julho de 1885 e o pai, José de Sousa Mendes, iniciou a carreira de magistrado exatamente nesse ano, o que fez com que a família tivesse saído de Cabanas de Viriato, primeiro para Vila Nova de Foz Côa, e depois para Mafra, em 1886. De lá, seguiram para Aveiro, e três anos depois mudaram-se para os Açores. Em 1899 a família instalou-se no Redondo…”

Como vimos, Aristides e César fizeram os cinco primeiros anos no liceu de Aveiro, e os últimos dois no liceu de Évora, e não como escreve Miriam Assor, em “Aristides de Sousa Mendes. Um Justo Contra a Corrente” (editado em 2009, pela Guerra e Paz): “Aristides e César completam os estudos primários em Mangualde, encetam o liceu em Évora e terminam-no em Aveiro”.

Museu Virtual Aristides de Sousa Mendes https://mvasm.sapo.pt/

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