Antigamente todos eram agricultores ou vizinhos de agricultores. Hoje os consumidores estão cada vez mais distantes dos agricultores e nós, agricultores, temos de comunicar com eles para mostrar como cultivamos a terra e criamos os animais para produzir os alimentos que eles precisam de comprar e nós precisamos de vender. Precisamos uns dos outros.
Por Carlos Neves *
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Mostrar o trabalho na agricultura implica mostrar máquinas e tratores. Os vídeos com as máquinas em funcionamento despertam atenção e a mecanização da agricultura tem já uma longa história de que nos podemos orgulhar e que devemos mostrar. Para apresentar um exemplo dessa evolução, divulguei um pequeno vídeo com os tratores da minha empresa agrícola: Uma relíquia de 1963, um clássico de 1980 e os quatro tratores mais recentes de 1998, 2004, 2017(usado de 2010) e 2022 (usado de 2019).
Entre muitas reações positivas, tive uma questão em jeito de provocação: “Esses tratores foi você que comprou ou foi a CEE?” E eu lá respondi que os dois mais velhos foram comprados pelo meu pai antes de Portugal aderir à CEE, para o terceiro recebi um apoio de 25% dois anos após a minha instalação como jovem agricultor e os últimos três (sendo os dois últimos em segunda mão) foram comprados sem apoios ao investimento. As pessoas ouvem falar de muitos milhões e depois pensam que isto é tudo oferecido.
Num mundo ideal os agricultores recebiam sempre um preço justo pelos produtos capaz de cobrir os custos de produção e remunerar o trabalho e o capital investido de modo a permitir novos investimentos. No mundo ideal também não havia guerras, fome, seca ou inundações.
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No mundo real, houve fome na Europa depois da segunda guerra mundial. Por isso foi criada a União Europeia e a Política agrícola comum com apoios à produção para acabar com a fome. Quando a PAC (a única política verdadeira europeia que se sobrepõem às políticas nacionais) permitiu à Europa trocar a fome pela fartura, foi necessário controlar a produção, apoiar as perdas de rendimento dos agricultores e incentivar os jovens a investir e fixar-se na agricultura. Hoje as ajudas da União Europeia estão orientadas para manter a agricultura protegendo o ambiente e evitando as alterações climáticas.
Sempre que há problemas no setor, naturalmente os agricultores queixam-se e os governos anunciam “milhões” para ajudar e anunciam várias vezes esses “milhões”: Quando decidem a ajuda, quando publicam a lei, quando abrem as candidaturas e quando entregam as ajudas. E os cidadãos europeus, com a “barriga cheia” de comida barata que a PAC permite, revoltam-se e invejam os “milhões” dos agricultores. Esquecem-se que também os avós deles foram agricultores ou descendentes de agricultores, mas deixaram o setor porque era duro e dava pouco rendimento, foram à procura de uma vida melhor na cidade ou no estrangeiro e os “milhões” não são suficientes para fazer os netos voltar para a “aldeia” e para a “lavoura”.
Os “milhões” da CEE, agora UE, União Europeia, não ficam no bolso dos agricultores. Servem para pagar os fatores de produção e as despesas com colheitas e sementeiras. Quando sobra algum, ou mesmo quando não sobra mas tem que ser, servem para ajudar a comprar os tratores e máquinas de que o agricultor precisa. Ou as reparações das máquinas. Ou as obras nos estábulos para melhorar o bem-estar animal, ou os novos equipamentos de rega ou qualquer outro equipamento. O “dinheiro da agricultura” vai para a economia rural, para pagar os braços que ajudam os agricultores de hoje a produzir mais do que produziam os antigos com muito mais gente disponível. Quando esse dinheiro falta ou se atrasa, falta para todos.
A cada sete anos, a Europa faz uma revisão da PAC, arrastam-se as negociações e a nova PAC que resulta nunca é o desejado mas costuma ser um pouco melhor do que a proposta inicial. Devemos um agradecimento a todos os que trabalham ao longo dos anos nessas difíceis negociações.
A PAC evoluiu e tem agora um conjunto de eco-regimes para proteger o ambiente. A intenção era boa, mas o resultado foi complicado de colocar no sistema informático onde se fazem as candidaturas. Veremos como será a implantação no terreno. Uma dificuldade que se começa a notar são os terrenos sem contrato de arrendamento ou mesmo contrato de comodato, mesmo sem renda declarada. Por diversos motivos, por questões familiares, por medo de perder a terra, muitos proprietários tem medo de assinar papeis a declarar a cedência da terra e assim não é possível cumprir as regras dos ecorregimes ou receber a ajuda direta por milho grão ou milho silagem. A produção de leite, de milho e em geral todas as produções agrícolas são negócios de “tostões” sujeitos a muitos imponderáveis do clima e do mercado e não podemos desperdiçar as ajudas que tanto trabalho deram a negociar. Ficamos com a fama dos “milhões” e sem o proveito.
* Produtor de leite. Secretário-geral da Aprolep – Associação dos Produtores de Leite de Portugal. Artigo escrito para a edição anual da Revista Agrotejo nº 33 – Novembro 2023).
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