De acordo com os últimos dados sobre o desempenho dos Estados Membros em matéria de gestão de resíduos urbanos, Portugal, mais uma vez, fica mal na fotografia.
Por Carla Velez *
Continua aquém da média europeia de reciclagem e a uma distância abissal no que toca à deposição de resíduos em aterro, com valores quase na casa dos 60%, muito distante da média europeia de 24%, e ainda mais do limite intransponível de apenas poderem ser depositados em aterro 10% do total de resíduos produzidos em 2035.
Segundo o mesmo documento, na última década, Portugal evoluiu de forma lenta, mas constante, no que toca a aumentar a sua taxa de reciclagem e a desviar os resíduos urbanos dos aterros, embora em 2019 tenha apresentado uma taxa de reciclagem de resíduos urbanos de 29%, continua bastante abaixo da média da UE de 48% (2019), e revela a inexistência de melhorias desde 2016. Dados provisórios de 2020 mostram uma taxa de reciclagem de cerca de 27%, o que é ilustrativo da necessidade de Portugal aumentar o investimento no domínio da reciclagem para cumprir as metas da UE, reconhecendo-se o papel e contributo da responsabilidade alargada do produtor.
Importa então refletir sobre o que correu mal, sendo para o setor inegável que o país precisa de uma mudança, mas estrutural, com medidas coordenadas e refletidas com os cidadãos, com os intervenientes no setor, como os municípios e os sistemas de gestão de resíduos urbanos, naturalmente também com o setor empresarial, industrial e comercial, mas a partir de uma abordagem pragmática e assertiva, em particular, dos decisores das políticas públicas nacionais e comunitárias.
Porquanto se a nosso ver não há, ou melhor dizendo, não é visível, pelo menos ao dia de hoje, a manifestação de uma vontade política férrea de mudança, não sendo o momento atual o ideal, também não podemos esquecer que é nas crises que muitas vezes melhor se gere os recursos porque a escassez é a realidade.
Assim, importa que quer a nível nacional, mas também comunitário, se adotem medidas eficazes focadas na origem do problema e não na fixação de objetivos exigentíssimos em matéria de resultados da performance de gestão, e sejam adotadas as medidas que incidam sobre a redução do consumo, sobre a alteração dos processos produtivos para que sejam aptos a colocar produtos no mercado efetivamente recicláveis, e não menos importante, regras claras, justas, adequadas e transparentes.
No nosso país, os Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos tratam os resíduos de acordo com o que o seu modelo técnico permite. Não têm alternativa aos modelos técnicos que foram construindo ao longo do tempo, os quais são, em larga medida, fruto das decisões centrais espelhadas nos sucessivos Planos Nacionais de Gestão de Resíduos, sendo manifesta e evidente a falta de sucesso.
Só com um enquadramento claro, objetivo e tendo como ponto de partida o status quo, e, sobretudo, um diagnóstico exato do que falhou, se poderá alcançar resultados em termos de redução da deposição de resíduos em aterro e de aumento da reciclagem. Enquanto o País não conseguir encarar com frontalidade e pragmatismo a necessidade de adotar uma estratégia assertiva e realista para dissociar o crescimento económico da produção de resíduos, os mesmos não forem devidamente separados pela população, de modo a não inviabilizar a sua valorização quando recolhidos, e estes não tiverem características de durabilidade e reciclabilidade – aspetos que não dependem da vontade ou qualidade da performance da gestão de resíduos – de nada serve estabelecer metas obrigatórias para o setor dos resíduos urbanos nem manter instrumentos económicos, como por exemplo a Taxa de Gestão de Resíduos aplicada com o objetivo de reduzir a deposição em aterro, que mais não fazem do que depauperar um setor com tantas fragilidades e dificuldades para superar.
* , Secretária-geral da ESGRA – Associação para a Gestão de Resíduos. Artigo publicado originalmente na revista Ambiente Magazine.
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