Os portos portugueses : Uma década perdida

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Imagem do Porto de Aveiro.
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O título dado a este artigo de opinião é motivado por um estudo recente que realizei, sobre o desempenho dos cinco principais portos portugueses, suficiente para esta síntese conclusiva, acentuada quando comparada com o registado no mesmo período nos portos espanhóis.

Por José António Contradanças *

Bem sabíamos dos números apresentados e dos principais indicadores, reveladores do crescimento, os quais atestam uma política marítimo-portuária desenvolvida em Espanha, desde algumas décadas, acentuando-se a surpresa quando confrontados com o que se tem passado em Portugal. Lembramos ao tempo quando em princípios deste século se atestava um crescimento a dois dígitos dos portos espanhóis, enquanto por cá dávamos passos em termos de reformas do sistema portuário e procedíamos à transformação das Administrações Portuárias, de Institutos Públicos para Sociedades Anónimas. Esteve subjacente uma alteração importante, deixando as AP’s de ter responsabilidades de tool port, assumindo um estatuto de landlord port. E a tudo isto se acrescenta as recentes notícias de que os portos espanhóis averbam um crescimento de 6% até julho de 2022, enquanto por cá se regista uma estagnação ou mesmo decréscimo de 1,8 % para a carga movimentada e de 1,3% para o tráfego de contentores, relativos a maio, segundos dados da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes.

O impulso e a ambição revelada nos finais dos anos 90, foi esmorecendo e hoje os dados são reveladores de uma estagnação, quando não a um retrocesso no movimento de mercadorias nos portos portugueses, à exceção do Porto de Aveiro e do Porto de Sines, este em muito pelo efeito da movimentação de carga contentorizada. Sendo confrangedor o que se passa no Porto de Lisboa.

Sendo o universo comparativo os portos de Espanha, nada melhor que o fazermos tendo em conta certos dados para o período de 2011-2021:

Cinco principais portos portugueses (Sines, Leixões, Lisboa, Setúbal e Aveiro) Mercadorias movimentadas= 896.640.965 toneladas; Contentores = 27.750.282 TEU; Vendas e Serviços Prestados = 1.625.276.688,00€; Resultados Líquidos = 436.529.157,00€ e Dividendos = 90.244.835,00€.

Cinco principais portos espanhóis (Valência, Algeciras, Barcelona, Bilbao e Huelva) Mercadorias movimentadas = 3.063.743.610 toneladas; Contentores = 137.897.068 TEU; Volume de Negócios = 5.305.726.567,00€ e Resultados Líquidos = 1.195.070.564,00€. (Não distribuem dividendos, em contrapartida capitalizam um Fundo de Compensação Interportuário.)

Mais evidente se torna quando a análise se faz pelo resultado nas taxas de crescimento da mercadoria movimentada em milhões de toneladas:

Porto de Sines cresce 80,57% (2011 = 25,78; 2021 = 46,55); Porto de Leixões decresce 6,60% (2011 = 16,26; 2021 = 15,19); Porto de Lisboa decresce 23,62% (2011 = 12,35; 2021 = 9,43); Porto de Setúbal decresce 4,53% (2011 = 6,89; 2021 = 6,58); Porto de Aveiro cresce 71,50% (2011 = 3,31; 2021 = 5,68).

Porto Baía de Algeciras cresce 27,89% (2011 = 82,17; 2021 = 105,08); Porto de Valência cresce 29,67% (2011 = 59,50; 2021 = 77,14); Porto de Barcelona cresce 50,99% (2011 = 43,05; 2021 = 65,00); Porto de Huelva cresce 14,35% (2011 = 26,59; 2021 = 30,40); Porto de Bilbao decresce 2,16% (2011 = 31,87; 2021 = 31,18).

Haverá quem recorde a diferença de dimensão e da economia de um e outro país como justificativo destas diferenças, que pecam por defeito, sabendo que Espanha tem muitos mais portos comerciais que os mencionados.

Outro dado que salta à vista é o rácio dos proveitos com concessões, licenças e receita dominial, que em média são de cerca de 40% em Espanha e em Portugal anda acima dos 60% do Volume de Negócios. Questão que merece, também, alguma análise e reflexão.

Como está na moda, tomemos, também, para comparação da carga contentorizada, nos seus melhores anos (Valência (em 2021) = 5,547 milhões de TEU; Algeciras (em 2019) = 5,125 milhões de TEU; Barcelona (em 2021) = 3,531 milhões de TEU e Sines (ano 2021) = 1,824 milhões de TEU)).

Muito contribuiu para esta década perdida, não só a acomodação das entidades concessionárias a um negócio certo e expectável, como a falta de autonomia das AP’s, que sob o jugo da tutela ou da iniciativa do Ministério das Finanças, se vêem constrangidas e limitadas, pior que nos tempos em que eram Institutos Públicos.

Em Portugal, parece estarmos confrontados com a ilusão de uma economia de bem-estar pelo lado dos proveitos, em que ganha o Estado, as AP’s e as empresas concessionárias de terminais portuários.

A nosso ver, como já dissemos em artigo publicado há três anos, continuamos a precisar de medidas enérgicas, sem nos importarmos em seguir o que foi feito, há muito tempo, em Espanha. Faz-se sentir a necessidade de uma entidade que coordene (e porque não, gestione?) o sistema portuário nacional, coisa que não é feita pela atual APP – Associação dos Portos de Portugal, um organismo que nasceu em 1991, sob outra designação (APJP), apenas para pagar a dívida contraída no âmbito do licenciamento do trabalho portuário, a partir de 1993. Em Espanha existe a Puertos del Estado, que é uma holding. Por cá bastava dar conteúdo, responsabilidades e meios à atual APP. Por outro lado, seria útil a criação de um Fundo de Compensação Interportuário, em alternativa aos dividendos entregues ao Estado. Fundo que seria capitalizado com uma percentagem das receitas das AP’s, estando disponível para investimentos urgentes de last mile, permitindo melhorias nos serviços prestados à carga e que facilitem o funcionamento dos diferentes terminais, como os que derivam da urgência por danos imprevistos, na reparação e manutenção, em atuações em termos de segurança, saneamento e meio ambiente.

Devemos caminhar para uma Missão de maior compromisso dos portos para a região em que se inserem, assegurando uma participação alargada às entidades representativas dos agentes económicos e das entidades regionais. Tem de ser feita uma política mais rigorosa no estabelecimento e acompanhamento das concessões, mais participativa em ações promocionais internacionais para captação de negócios e carga.

Não podemos permanecer alheios a uma representação efetiva e empenhada nas organizações internacionais. E também, neste contexto, tomar o exemplo dos portos espanhóis e da Puertos del Estado, com representação ao mais alto nível em organismos como a ESPO (European Sea Ports Organization) e a IAPH (International Association of Ports and Harbours), entre outras instituições internacionais.

Por fim, julgamos que muito contribuiu para esta década perdida, não só a acomodação das entidades concessionárias a um negócio certo e expectável, como a falta de autonomia das AP’s, que sob o jugo da tutela ou da iniciativa do Ministério das Finanças, se vêem constrangidas e limitadas, pior que nos tempos em que eram Institutos Públicos.

E ainda, se estamos cientes de que é certo que o sonho comanda a vida, impõe-se, no entanto, o conhecimento da realidade e menos se recomenda a notícia que nos toma o tempo e adia a decisão. Quem não se lembra das expectativas por pretensos resultados com o alargamento do Canal do Panamá? Coisa que, desde o princípio os estudos previam serem os USA os principais beneficiados. Por cá já ninguém fala, confrontados com possíveis acréscimos residuais.

Numa era dominada pelos lucros ultra-milionários das companhias de navegação e do seu domínio na operação de terminais de contentores, através dos seus “braços armados”, com uma verticalização excessiva dos negócios, recomenda-se muita prudência em projetos futuros, muito dados à especulação e à notícia e menos ao estudo sério e ao conhecimento. Caso contrário, no futuro, podemos vir a ser confrontados com a frieza dos dados e a evidência dos factos.

* Economista (ex-administrador portuário). Artigo publicado originalmente no site Transportes & Negócios.

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