Quando pensamos em floresta, temos de obrigatoriamente contextualizar a noção de escala. Escala no que toca à gestão e sustentabilidade. Por um lado, temos a fragmentação da propriedade rustica, que ao longo dos anos tem vindo a causar duros constrangimentos, no que respeita a rentabilidade da exploração florestal e agrícola em Portugal. Por outro, temos a ausência de cadastro predial, principalmente nas zonas onde predomina o minifúndio. Em concreto, as regiões do norte e centro do país, o tal mundo rural, de onde proveem a maior parte das nossas raízes, os usos e costumes, as comunidades locais, que foram e são a base de valores, de muitos homens e mulheres deste país.
Por Tiago de Brito Fabião *
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O desacelerar do setor primário, em muito se deve a estas e outras problemáticas, que ao estudar em pormenor, tendo uma análise histórica e política por base, constroem a atual paisagem rural. O interior, como vulgarmente lhe chamam, o interior do turismo e dos incêndios florestais, o Interior de Portugal. Muitos dos que contrariam a tendência de o abandonar, entre o suor e criatividade, de adaptar políticas publicas elaboradas nas cidades, às particularidades do campo, sentem que por vezes remam contra a maré. Contudo, enquanto se rema, aos poucos se alcança, e embora com dureza, os frutos do trabalho vão-se colhendo.
Captando investimento, apostando no que nos distingue, na qualidade, aliar o saber tradicional à modernização tecnológica, é possível acelerar o que parece para o publico em geral, estagnado no tempo. As serras também são pedras e mato, mas não só. O ecossistema lida com o fogo de forma inata e natural, mas os atuais desafios ligam-se a escolhas que moldam a história, a paisagem e a sua gestão. Há, portanto, forma e solução para lidar, ou minimizar os atuais impactos dos incêndios florestais, cada vez mais extensos e frequentes. As serras não são só pedras e mato, e mesmo que o fossem, a não diversificação da base económica condena o desenvolvimento dos territórios. A escala assegura, portanto, a fórmula de gerir a oferta e a procura, as oscilações dos mercados. Os produtos, que se distinguem pela unicidade e qualidade, determinam a venda.
Pensando as culturas agroflorestais em parcelas de entre 10 a 20 hectares, podemos viabilizar uma solução. Os chamados mosaicos agroflorestais, que parecem ser o futuro da exploração sustentável dos territórios rurais, do norte e centro do país. Há de facto um longo caminho a percorrer, mas as melhorias surgem, sempre que se faz trabalho, trabalho continuo, não apenas de 4 em 4 anos, trabalho que vai muito para alem dos ciclos políticos, ou da esquerda e direita. Realidades verdadeiras, de quem conhece e vive as lutas do meio rural, de quem vive com gosto e faz do seu ganha-pão a floresta e agricultura.
Considerando que é preciso viver dinâmicas para as compreender, em muito seria importante empregar tempo a estudar e divulgar os bons exemplos, assim como as práticas que ainda existem e têm sucesso. Podia escrever sobre vários, uns mais conhecidos do que outros, podendo os menos conhecidos ser os que na prática obtêm maior sucesso. A exposição publica nem sempre favorece os territórios, até porque o equilíbrio saudável da natureza é contrário a essas pressões. Daí, o exemplo que passarei a expor, terá todo o enquadramento técnico e real, de quem conhece e o viveu de perto. Apenas e unicamente, de que é possível, com esforço, organização e estrutura de trabalho.
Trata-se de uma Comunidade Local, composta por cerca de 700 compartes e com um território de uso comunitário de 3000 hectares. Comunidade essa que em 2017, vê 90 % do seu território consumido por um incêndio florestal, estando a um passo de encerrar atividade, e abandonar a gestão. Ver tudo aquilo que sempre existiu e proliferou, desabar de forma rápida e abrupta. A origem do sucedido é na realidade fácil de compreender. Apostar apenas na monocultura de pinheiro-bravo, espécie resinosa, com combustibilidade rápida e intensa, de forma pouco ordenada e perto dos aglomerados populacionais. Tal como uma fogueira pronta a arder completamente na primeira ignição. É de facto assim que ainda se encontram, grande parte dos territórios comunitários, das serras do nosso país. Os que ainda não arderam, claro.
A importância de encarar e compreender a realidade é determinante para a tomada de ação. Compreender a história sim, mas não de forma fatalista, pretende-se perceber o passado como forma de gestão do presente e melhor planeamento do futuro. Foi exatamente o que aconteceu nesta comunidade local. Em 2018, uma equipa jovem e dinâmica integra os órgãos de gestão e desenha uma estratégia clara, real e concertada para o que até agora tem vindo a funcionar.
Ora, com boas fundações se faz uma casa resistente, e em primeiro lugar foi necessário cadastrar o território, elaborar o Plano de Gestão Florestal, e naturalmente após, ir atrás de financiamento para executar o que se propôs. Foi nessa ótica que se assentaram dois pilares chave, um primeiro que toca a ordenar e gerir a regeneração natural de pinheiro-bravo, pós incêndio de 2017, e um segundo que diz respeito a compartimentá-la. Surge um projeto que integra mosaicos agroflorestais na gestão. Junto aos principais aglomerados populacionais, converte-se o uso florestal em agrícola, instalam-se os primeiros olivais, os medronhais ordenados e alguns sobreirais, afasta-se o pinheiro-bravo para parcelas que integram talhões unicamente florestais, independentes, geridos de forma otimizada, sobretudo mecânica, e com subcoberto gerido através de técnicas como o fogo controlado, ou a trituração dos matos, diminuindo assim, o risco de ignição.
As parcelas com espécies resinosas, são agora de 20 hectares, estando compartimentadas por rede viária florestal, completa e bem desenhada, orientada para um acesso fácil e organizado, tendo também uma boa rede divisional, os aceiros, desenhados de forma produtiva, recorrendo a espécies como o medronheiro. As linhas de água, ocupadas por folhosas, onde a progressão do fogo é de facto mais lenta, diminuindo assim o risco de criação do efeito “chaminé”, que ocorre quando o fogo evolui muito rapidamente sobre os vales encaixados.
Para alem desta compartimentação, trabalha-se também interligando o pastoreio, e mosaicos de espécies folhosas. Aproveitam-se as faixas das Redes Primárias de Gestão de Combustíveis para realizar sementeiras com centeio, retardando o desenvolvimento dos matos, alimentando o gado, sobretudo caprino, e algumas espécies cinegéticas. Nas encostas com exposição sul, vemos o pinhal compartimentado por parcelas de sobreiral, nas cotas mais baixas, e medronhal nas cotas mais elevadas. Nas parcelas com exposição norte, podemos encontrar esta compartimentação feita com parcelas de carvalhos ou castanheiros. A azinheira exerce também um papel muito importante para a conservação de habitats e ecossistemas relevantes, surgindo associada a linhas de água, em bacias de acesso difícil.
Uma gestão assente em mosaicos, torna-se mais fácil, organizada e menos dispendiosa, podendo mesmo desempenhar um papel fundamental na diversificação das dinâmicas económicas destes territórios. Contribui assim para a criação de uma paisagem mais resistente e resiliente. Pode ser chave mestra para a valorização das identidades rurais, dos produtos, das formas de vida tradicionais, voltadas hoje, para a interligação tecnológica. São um equilíbrio entre o passado e o presente, e por certo uma boa forma de olhar o futuro, das serras e vales de Portugal.
* Empresário e técnico agroflorestal. Artigo publicado originalmente no site Agroportal.pt.
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