Ocaso da vida profissional: O elefante na loja das porcelanas

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Trabalhador sénior (arquivo geral).

Olhando para a realidade portuguesa, há um envelhecimento inequívoco da nossa população, resultado da combinação de um aumento contínuo da esperança de vida e da redução da taxa de natalidade, levando a uma proporção maior de idosos na população.

Por Pedro Pimentel *

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Os anos passam em velocidade acelerada e, com os sessenta já muito próximos, eu e, por certo, muitos que estão nesta faixa etária começam a fazer ‘contas-à-vida’ e a ter consciência que já andaram muito mais do que aquilo que ainda têm para andar.

Uma vida profissional muito activa, sentir o trabalho como muito mais do que uma mera obrigação que se tem que cumprir, encontrar múltiplas formas de compensação – para além da monetária – vindas da área profissional, não sentir ainda nenhuma vontade de ‘abrandar’, observar os efeitos que a ‘paragem’ gerou e gera em muitas pessoas que me rodeiam, são motivos suficientes para olhar para o tema do ‘ocaso’ da vida profissional como um desafio intelectual, mas também como um desafio pessoal

Olhando para a realidade portuguesa, há um envelhecimento inequívoco da nossa população, resultado da combinação de um aumento contínuo da esperança de vida e da redução da taxa de natalidade, levando a uma proporção maior de idosos na população. O índice de envelhecimento – a razão entre o número de idosos (65 anos ou mais) e o número de jovens (menores de 15 anos) – tem vindo a aumentar, com inversão da pirâmide etária, com a base a diminuir e o topo a alargar, a que se soma uma consistente emigração de jovens portugueses em busca de melhores oportunidades no estrangeiro.

O envelhecimento da população interfere, de várias formas, na sustentabilidade da segurança social portuguesa. Desde logo, motivando o aumento do número de pensionistas e da despesa com pensões, enfrentando a redução da força de trabalho ativa, essencial para contribuir: uma população envelhecida significa que há menos pessoas em idade ativa (entre 15 e 64 anos) para trabalhar. Esta diminuição na força de trabalho reduz a base de contribuintes e, portanto, as receitas da segurança social.

Em simultâneo e em paralelo com o aumento do índice de envelhecimento, há uma diminuição da razão de dependência (a relação entre o número de pessoas idosas e o número de pessoas em idade ativa) e uma elevada razão de dependência dificulta a manutenção da sustentabilidade financeira do sistema de segurança social e, indirectamente, verifica-se também um aumento dos custos com saúde e cuidados de longa duração e um impacto potencialmente negativo sobre a economia, resultando em menor crescimento económico, produtividade reduzida, e menos inovação, condicionando, também por aqui, as receitas fiscais que financiam a segurança social.

Num outro ângulo, parece claro que as carreiras contributivas se têm vindo a tornar progressivamente mais curtas, refletindo mudanças nas dinâmicas sociais, económicas e laborais. Há mudanças no mercado de trabalho, com, tendencialmente, maior precariedade e instabilidade laboral, resultando em períodos intermitentes de contribuição para a segurança social. Mesmo num aparente pleno-emprego, multiplicam-se as situações de desemprego e subemprego, ao mesmo tempo que se verifica um aumento da idade de entrada no mercado de trabalho, com percursos escolares mais longos.

Há também uma maior flexibilidade e mobilidade laboral, esquemas positivos de conciliação entre trabalho e família e a multiplicação de situações de reforma antecipada, tudo situações que tendem a gerar carreiras contributivas mais curtas e consequências a redução de benefícios futuros, mas também uma maior pressão sobre o sistema e sobre a sustentabilidade da segurança social em Portugal.

Estas constatações deveriam ser suficientes para perceber a necessidade de reformas estruturais, mas estas são sempre, primeiramente, remetidas para sucessivos diagnósticos de que se extraem, basicamente, as mesmas conclusões. No entanto, a cada vez que o processo volta ao quilómetro zero, percebe-se que as consequências são cada vez mais fundas, em resultado da inércia e do repetido adiamento de adopção de medidas concretas que tentem inverter este estado de coisas.

Exemplos concretos: o aumento da idade de reforma, a introdução de novos esquemas de contribuição, ou a promoção de políticas activas de incentivo à natalidade e à imigração.

No entanto, essas reformas são, como sabemos, politicamente sensíveis e, como tal, difíceis de consensualizar e implementar. Mas Portugal precisa delas como pão para a boca e quanto mais tarde forem adoptadas, mais radicais e duras terão de ser e maior a contestação que gerarão.

Mas vale a pena perceber também que nem todas as decisões cabem, exclusivamente, ao Estado, que nem todas as acções são da responsabilidade única da administração pública. Há uma parte importante que cabe a cada um de nós e uma outra, ainda mais relevante, que recai sobre a esfera empresarial.

Por exemplo, o aumento previsível da idade da reforma, implica alterações na forma como muitas empresas enquadram a colaboração de pessoas de idade mais avançada, havendo que desenvolver políticas e práticas que promovam um ambiente de trabalho mais inclusivo, mais saudável e mais flexível, o que pode passar pela criação de um ambiente trabalho menos rígido, seja ao nível de horários, seja ao nível de opções para trabalho a tempo parcial e teletrabalho, pela adopção de programas de saúde e bem-estar ou pela promoção da ergonomia e segurança no local de trabalho.

Muito relevante pode ser a oferta de oportunidades de formação contínua e desenvolvimento profissional para ajudar os trabalhadores a manterem as suas competências actualizadas e a adaptarem-se às novas tecnologias e práticas de trabalho, bem como a implementação de programas de mentoria, onde trabalhadores mais seniores possam partilhar know-how e experiência com os de gerações mais jovens, promovendo um ambiente de mútua aprendizagem mútua.

É importante promover uma cultura organizacional que valorize a diversidade etária e reconheça as contribuições dos trabalhadores mais velhos e implementar políticas que previnam a discriminação pela idade e promovam o respeito e a valorização dos trabalhadores independentemente do seu posicionamento geracional.

Como é importante também verificar a necessidade de adaptação ou reestruturação de funções para permitir que os trabalhadores mais velhos continuem a contribuir de forma significativa, com exigência física adequada ou com responsabilidades ajustadas. E oferecer apoio activo no planeamento da reforma, ajudando os trabalhadores a transitar para o período de aposentação da forma mais suave possível e considerando, por exemplo, opções como a reforma parcial.

Sendo consequentes, as organizações deverão desenvolver políticas que reconheçam e valorizem as contribuições dos trabalhadores com idade mais avançada e realizar um feedback regular e construtivo que ajude esses trabalhadores a sentirem-se reconhecidos, valorizados e motivados a continuar a contribuir para a organização, envolvendo-os em processos de tomada de decisão, aproveitando sua experiência e conhecimento e incentivando-os a participar em projectos em que a sua experiência e perspectiva possam ser especialmente úteis.

Em boa verdade, há que combater o idadismo (ou seja, a discriminação em função da idade) no seio das empresas, o que exige um compromisso indeclinável com a inclusão e a valorização da diversidade etária. Implementando políticas e práticas inclusivas, promovendo a educação e a consciencialização, oferecendo oportunidades equitativas de desenvolvimento e mantendo um ambiente de trabalho adequado, as empresas podem criar uma cultura organizacional que valorize e beneficie todos os colaboradores, independentemente da idade respectiva.

O acompanhamento do final da vida profissional dos trabalhadores deve fazer parte das políticas de responsabilidade das empresas. Preparar os trabalhadores para o final do seu percurso profissional não demonstra apenas uma preocupação genuína com o bem-estar dos funcionários, mas também contribui para a sustentabilidade e o sucesso a longo prazo da empresa.

Práticas consistentes e continuadas podem criar um ambiente de trabalho mais harmonioso, manter o conhecimento organizacional e promover uma cultura de respeito e cuidado mútuo, beneficiando não só os colaboradores, como também as próprias empresas, promovendo um ambiente de trabalho mais inclusivo, produtivo e sustentável e reforçando a reputação, a imagem corporativa e o reconhecimento da adopção de políticas positivas em matéria de responsabilidade social.

Em boa verdade, quando olhamos à nossa volta não é difícil perceber posicionamentos bastante distintos relativamente à fase final da vida profissional, à transição para a situação de reforma e no que se refere ao abandono da vida activa,

Muitos esperam ansiosamente o dia em que se podem reformar e reagem adversamente a qualquer indicação do aumento, ainda que pouco significativo, da idade de reforma. Outros são aliciados ou empurrados para a transição para esquemas de pré-reforma, financeiramente interessantes, mas que, em diversos casos, deixam um amargo de boca nos visados, por sentirem que a sua colaboração já não é valorizada pelas empresas.

Há quem dê lições ao mundo sobre como planificar a sua vida profissional por forma a poder, sem constrangimentos financeiros, abandonar o mundo do trabalho muito antes da idade de reforma.

Há quem, ainda com vários anos de distância para a idade de reforma, seja, simpaticamente, convidado a desligar-se das empresas a que está ligado, em processos negociados e que se associam compensações mais ou menos vultuosas. Como há quem, de forma mais ou menos inesperada, seja confrontado como o fantasma do desemprego em idades mais avançadas. Uns e outros, percebem as barreiras e as dificuldades de, em certas faixas etárias, regressar ao mercado de trabalho e, muitos convertem-se numa malfadada versão amadurecida dos chamados nem-nem: nem têm idade para regressar ao mundo laboral, nem têm idade para se reformar, sendo notórias situações que vão do desconforto e ansiedade, ao profundo desespero e ao descalabro financeiro.

E há aqueles – onde, diria, me incluo – que não desejam um fim abrupto da sua vida profissional e que prefeririam manter-se em actividade para lá da idade legal de reforma, ainda que eventualmente, em moldes diferentes e menos sobrecarregados, mas sentindo que continuam a poder contribuir de forma positiva e construtiva, seja para a performance das organizações a que estão ligados, seja, de uma forma mais ampla, para uma sociedade e economia que desejam mais forte.

Em relação a todos eles, empresas, sociedade, economia e Estado, devem o respeito e a dignidade de quem já fez, de quem já deu, de quem já contribuiu, mas – bem mais do que isso – têm o dever de não desperdiçar o know how, a experiência, a liderança, a maturidade e o bom senso dos profissionais mais seniores, deixando de olhar para eles como um problema e uma fonte de despesa futura, mas como um recurso (ainda) valioso e um potencial gerador de riqueza no presente.

* Artigo publicado originalmente em Blog da Centromarca.

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