A “caridadezinha” é uma prática assistencialista que busca visibilidade pública e que não visa mudar estruturalmente o problema da pobreza, podendo, em alguns casos, criar e ampliar relações de dependência.
Por José C. Mota *
Participei há uns dias numa interessante conversa on-line organizada pelo fórum Cidadania e Território (C&T) e dinamizada pelo Álvaro Cidrais, uma pessoa extraordinária, que muito admiro. Discutíamos o pós-covid e o que poderia um fórum de reflexão fazer por isso.
O grupo C&T é um think tank informal constituído por pessoas de enorme capacidade, com experiências riquíssimas. Tem existência ativa em eventos regulares e numa mailing-list, produzindo inúmeros contributos para a melhoria da política pública.
Vários dos presentes alertaram para os riscos que se avistam no horizonte.
Os ataques e limitações à democracia, o aumento da robotização da produção industrial e consequente perda de empregos, isto num quadro mais global.
Em Portugal, o medo, a pressa para mostrar soluções e o uso de modelos e pensamentos antigos que se revelaram inadequados para responder a outros momentos de crise.
Para além destes, muito importantes, há dois riscos eminentes perante a crise económica e o crescimento do desemprego e da pobreza.
O primeiro, em resposta à urgência, é o risco de “deitar dinheiro em cima dos problemas” sem uma visão estratégia e coletiva para o futuro.
Quem normalmente beneficia destas situações são os grupos de interesse organizados, que têm maior viabilidade e poder de persuasão (basta olhar para os jornais e ver as páginas inteiras de publicidade paga para perceber isso).
O segundo, é o regresso da “caridadezinha” na forma cívica ou institucional.
A “caridadezinha” é uma prática assistencialista que busca visibilidade pública e que não visa mudar estruturalmente o problema da pobreza, podendo, em alguns casos, criar e ampliar relações de dependência.
Pelo contrário, o apoio e a solidariedade sociais são fundamentais e devem ser estimulados mas dirigidos para dar robustez às instituições públicas e IPSS e muitas ferramentas às famílias para que possam gradualmente necessitar menos de ajuda. Temos de trabalhar mais nos elevadores sociais e menos nas fotografias no hall de entrada.
O José Barata Moura disse mais ou menos isto a cantar: “Vamos brincar à caridadezinha” https://youtu.be/ZHieMBabirY
* Docente da Universidade de Aveiro.