Muito por força do turbilhão de acontecimentos políticos, económicos, sanitários, ambientais e de outra ordem que têm marcado o mundo em particular nos últimos anos, o tema da pobreza tem estado de forma mais vincada na agenda mundial e nacional. Mas se é verdade que tem estado presente, também é verdade que o foco tem sido colocado sobretudo na sua vertente financeira. Tal significa, na minha opinião, que insistimos em continuar a olhar mais para as consequências de um fenómeno, a ponta do iceberg, e menos para as suas verdadeiras causas e motivadores, tudo o que está abaixo da linha de água.
Por Paulo Teixeira Costa *
Olhar apenas para as consequências de um qualquer problema, leva a que as medidas para o combater sejam muitas vezes de circunstância e com efeitos pontuais e de curto prazo, apesar de (aparentemente) populares e salvadoras. E cuja durabilidade e (eventual) efeito positivo resistam apenas até à próxima crise, que seguramente virá. Esta ideia não é nova e está alinhada com o entendimento de pobreza que nos é dado pela ONU: “A pobreza envolve mais do que a falta de recursos e de rendimento que garantam meios de subsistência sustentáveis. A pobreza manifesta-se através da fome e da malnutrição, do acesso limitado à educação e a outros serviços básicos, à discriminação e à exclusão social, bem como à falta de participação na tomada de decisões”.
Bem sei que medir os resultados de um qualquer plano no curto prazo e de forma quantitativa, é a solução mais fácil de demonstrar o seu sucesso. Qualquer outra forma de medição é mais difícil de concretizar e leva mais tempo, muitas vezes tempo “demais”, pois vai para além da duração dos mandatos políticos ou do tempo de duração do programa de financiamento que o suportou e motivou. Até porque, depois desse, virá outro, e em consequência outro plano surgirá, que tantas vezes faz tábua rasa do que o antecedeu. Talvez isto explique uma certa predileção nacional pela “ação” (visível e de curto prazo), em detrimento da “prevenção” (menos visível e de médio e sobretudo longo prazo).
Será então possível, realista e responsável afirmar que uma comunidade se torna realmente mais rica, ou menos pobre, simplesmente porque, fruto de um qualquer plano ou do “mágico” PRR (que quanto mais conhecemos, mais duvidamos), o seu rendimento per capita aumentou X% em X meses/anos? Quando, ao mesmo tempo, não consegue aceder a serviços de saúde de qualidade, a uma justiça célere, a uma educação universal ou a trabalho digno? Ou quando se sente cada vez mais longe dos seus eleitos? Ou então quando continuamos a assistir a episódios assustadoramente regulares de discriminação e mesmo violência devido à cor da pele, etnia ou orientação sexual? Ou a situações de discriminação ou mesmo exploração laboral devido ao sexo, idade, nacionalidade, escolaridade ou religião? Ou de violência doméstica? Ou de assédio? Ou a situações em que essa discriminação, tantas vezes em forma de bullying em meio escolar, acontece apenas porque uma determinada pessoa está aparentemente fora dos ditos “padrões de beleza”, que alguém definiu? Ou a situações de favorecimento por meras razões familiares, partidárias ou de simples amizade? Ou de pequena corrupção, bem mais grave do que se pode pensar? Ou quando alguém é agredido, verbal ou fisicamente, simplesmente porque pensa de forma diferente ? E será que perante situações como estas, ou outras, que seguramente todos já presenciámos, fizemos o que devíamos?…
Parte significativa da solução para a verdadeira pobreza, no sentido que a ONU lhe confere, ou pelo menos para um mais efetivo combate, não obstante a óbvia importância da vertente financeira, está, de facto, na mão de cada um de nós.
Não vale continuar a apontar sempre o dedo aos outros, a “eles”, aos governos e aos governantes. Cada um de nós pode e deve fazer a diferença, agindo. Aqui e agora. Já!
* Professor do Ensino Superior. Membro Fórum Cidadania Aveiro.
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