O Poder Local

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Aveiro (Paços de Concelho ao fundo).

Basta olhar para alguns indicadores como seja a comparação, com outros Estados Membros da União Europeia, entre as receitas afetas à administração central e as que estão reservadas a outros escalões da administração.

Por José Silva Peneda *

Em 26 de setembro realizaram-se eleições para os órgãos do poder local.

Convém lembrar que estas eleições têm vindo a acontecer no nosso País como resultado de uma grande reforma de descentralização do poder central para os municípios, efetuada em 1976.

O resultado dessa reforma é claramente positivo. Nestes últimos 45 anos a mudança, no que respeita à Administração Local foi muito significativa e muito poucos serão os que não concordam que o País mudou para melhor, graças a capacidade que foi outorgada aos municípios nos planos político, técnico e financeiro.

É impressionante a comparação da evolução de alguns dados estatísticos sobre matérias que têm a ver com a atividade dos municípios nos últimos anos.

Em 1990, apenas 58% da população tinha acesso a água canalizada, enquanto em 2019 esse valor passou para 96%. Em 1994, apenas 31% das águas residuais urbanas eram objeto de tratamento, para ser de 86% em 2019.

A disseminação de equipamentos educativos e culturais pela malha urbana do território representa outra evolução impressionante. Os museus eram 99 em 1961, 333 em 1994 e 674 em 2014. Quanto a bibliotecas eram 89 em 1960, 735 em 1994 e 1018 em 2013).

A descentralização de poder para os municípios foi uma boa decisão e se a qualidade de vida em muitos centros urbanos do interior é hoje superior a outras partes do território, especialmente da Área Metropolitana de Lisboa, deve-se ao poder atribuído aos municípios.

Certo é que apesar da descentralização para o nível municipal ter dado excelentes resultados, o nosso País continua a ser dos mais centralizados da Europa.

Basta olhar para alguns indicadores como seja a comparação, com outros Estados Membros da União Europeia, entre as receitas afetas à administração central e as que estão reservadas a outros escalões da administração. Em Portugal a administração local representa 12% da despesa pública total, valor que representa o sexto mais baixo entre os 28 países da União Europeia.

Há quem defenda que a descentralização se deve fazer transferindo competências para o nível municipal e esquecer a criação de regiões. A este respeito, a minha resposta é que ambas são precisas. O reforço das competências dos municípios é necessário mas não chega, porque não resolve os problemas que ultrapassam as suas fronteiras. Há problemas tão vastos em extensão e tão profundos nas suas causas que exigem escala para a sua abordagem que não é de todo compatível com processos de associativismo municipal.

Os desequilíbrios regionais são uma questão persistente na sociedade portuguesa e, por isso, não faz qualquer sentido criar regiões na base da homogeneidade de caraterísticas. Pelo contrário, só faz sentido a criação de regiões que alberguem no seu seio parcelas de território com graus de desenvolvimento distinto. Por outras palavras, regiões que abarquem o litoral e o interior.

A regionalização é partilha de poder. Há quem perca, o centro e a capital, e há quem ganhe, a periferia e os “provincianos”.

Se é verdade que as instituições do Estado não podem deixar de ser moldadas perante uma nova realidade caraterizada por mudanças que se sucedem a um ritmo que nunca foi experimentado na história do planeta e que, sendo muito exigente e complexa, não é de todo compatível com métodos e práticas ancestrais e de pendor demasiado centralizador, não sinto o atual poder político com capacidade e vontade para levar a cabo as reformas necessárias para adaptar o modo de governar à realidade deste novo tempo.

Fundamento esta minha perceção na forma centralizada como os partidos políticos são geridos e, como consequência, apresentam-se cada vez mais fechados sobre si mesmos. Os conservadores estão, em larga maioria, nas cúpulas dos partidos políticos, que funcionam na base do controlo vertical das fidelidades aos “chefes”.

Porque não abunda na classe dirigente do País uma cultura reformadora, dinâmica e disposta a correr riscos é que receio que a regionalização continue a ser uma “história do faz de conta”. E é muito difícil tentar mobilizar vontades para alterar métodos e práticas que, em princípio, até podem ser reconhecidas como necessárias, mas que nunca vão em frente porque o custo associado à sua execução implica uma grande convicção quanto à sua utilidade e… fortes convicções é matéria-prima que rareia na classe política.

E tudo isto acontece quando é evidente o excelente resultado que a descentralização de poder para os municípios apresenta. Esta é uma das razões porque o País continua a crescer menos que outros que há bem pouco tempo estavam bem atrás de nós.

* Licenciado em Economia. Antigo governante e deputado, ex presidente do Conselho Económico e Social. Artigo publicado originalmente no jornal Solidariedade.pt.

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