A mobilidade e a energia estão cada vez mais ligadas. Os veículos elétricos funcionam como dispositivos de armazenamento de energia e servem para estabilizar a rede elétrica. Ao mesmo tempo, estão a emergir novos modelos de negócios resultantes da possibilidade de fornecer energia à rede.
Por Stefan Carsten *
A convergência entre mobilidade e energia progride cada vez mais. As razões para isto são óbvias. As duas grandes tendências estão a diversificar-se e a diferenciar-se com um alcance sem precedentes: desde as ofertas centralizadas e descentralizadas, até a uma base energética fóssil e pós-fóssil. Onde antes haviam apenas carros, bicicletas e transportes públicos, existem agora dezenas de alternativas e pontos de acesso num mundo dividido, concebido para a partilha em vez da propriedade. Onde antes haviam apenas centrais nucleares e de carvão, existem agora milhares de centrais fotovoltaicas e turbinas eólicas numa rede baseada em energias renováveis.
Uma perspetiva integrada que tenha estas tendências em conta é fundamental para dar ao eminente sistema de convergência um futuro de sucesso, sucesso este medido pela sua aceitação e sustentabilidade. Neste sentido, um dos elementos mais importantes são as baterias, dos veículos elétricos. É aqui que oferta e procura, produção e consumo, mobilidade e imobilidade se encontram e criam novos acessos.
Este acesso é mais urgente do que qualquer outra alternativa. A mobilidade vehicle-to-grid fornece respostas às questão prementes da nossa era de mobilidade: O que acontece quando cada vez mais automóveis elétricos utilizam a rede elétrica tradicional? O que acontece quanto a rede está já sobrecarregada pelas altas temperaturas do verão ou pelas baixas temperaturas do inverno? O que acontece quando existe pouca energia disponível na rede quando as energias renováveis não conseguem produzir eletricidade suficiente?
Neste contexto, uma rede descentralizada de sistemas de armazenamento de energia e centrais energéticas virtuais baseadas em automóveis elétricos desempenhará um papel decisivo na transição energética e na mobilidade. Isto é a mobilidade V2G.
Vehicle-to-Home, Vehicle-to-Grid, Vehicle-to-X
Os carros já não são apenas um meio de transporte; estão cada vez mais integrados na infraestrutura energética. Quando um veículo elétrico é totalmente carregado numa garagem (os carros passam, por norma, 95% do tempo estacionados) e os moradores ficam sem eletricidade ou esta é demasiado cara, a bateria do automóvel oferece a possibilidade de alimentar os dispositivos de iluminação, o frigorífico, ou garantir até a totalidade do fornecimento de energia através da bateria. E se a procura aumentar subitamente – porque todos querem ligar o ar condicionado numa vaga de calor ou o aquecedor durante uma vaga de frio – as empresas de fornecimento de eletricidade podem pagar aos consumidores pelo excesso de energia armazenado nas baterias através da ligação direta do automóvel à rede.
Isto é denominado de carregamento bidirecional ou vehicle-to-grid, e é encarado com um dos aspetos decisivos da transição energética e da mobilidade: quando os automóveis eléctricos estão ligados à rede em alturas de pico, podem devolver-lhe eletricidade, e aliviá-la e estabilizá-la em períodos de maior procura. Termina assim o debate sobre as centrais nucleares e de carvão como salvaguarda das energias renováveis, quando estas não estão disponíveis.
Estas capacidades energéticas são urgentes – afinal, os cenários otimistas-realistas indicam que o mercado global de automóveis elétricos superará 200 milhões de veículos em 2030. Isto requer um sistema energético inteligente, porque se os automóveis forem carregados e descarregados sem consideração pelas redes de energia e as suas capacidades, põem em risco a estabilidade e fiabilidade da rede geral.
Este interface veículo-rede é atualmente o foco de esforços de investigação e desenvolvimento no campo da sustentabilidade energética. Se a carga e a descarga ocorrerem de forma controlada, o interface pode servir como ferramenta para garantir a estabilidade da rede. Os carregamentos podem ser agendados para períodos em que a eletricidade é mais limpa, mais barata e mais abundante. Estas trocas são a base de novos modelos de negócio e de um novo sistema móvel de energia.
Os carregadores bidirecionais estão longe de se tornarem comuns e são ainda bastante caros, uma vez que necessitam de hardware adicional. Mas os fabricantes de automóveis e outras empresas estão a começar a introduzi-los, para ajudarem os proprietários de veículos elétricos a contribuir para a rede, ou armazenar e depois converter eletricidade para as suas próprias necessidades: o novo Ford F-150 pode fornecer energia a uma casa até três dias – uma vantagem importante na futura distopia das alterações climáticas; a Volkswagen promoveu as capacidades de carregamento bidirecional nos seus mais recentes e nos próximos veículos elétricos; e recentemente, a Nissan aprovou o primeiro carregador bidirecional para o Leaf, um modelo que está à venda há quase 12 anos.
Em resposta às falhas de energia em larga escala que ocorreram na China, no verão de 2022, em virtude das elevadas temperaturas, o fabricante chinês NIO começou a testar a devolução de energia às redes locais através de estações de troca de baterias. O teste envolveu quinze estações em Hefei e, como resultado, a carga de eletricidade desta central elétrica virtual foi ajustada em 8 MWh durante cinco dias, o que equivaleu a uma poupança de eletricidade em tempo real para mais de 3.000 habitações. A NIO opera mais de mil estações de troca de baterias em toda a China. De acordo com a empresa, as suas estações atuais estão equipadas com treze ‘pacotes’ de baterias, que em conjunto fornecem uma capacidade de armazenamento de energia de 600 a 700 kWh, disponível em qualquer altura.
Através destes sistemas V2G, as habitações utilizarão energia armazenada nas baterias dos automóveis elétricos, e os fornecedores de energia podem compensar em picos de procura. Uma sinergia imbatível em tempos de alterações climáticas, de crise energética e de escassez de recursos.
* Consultor e especialista na área do Futuro das Cidades e Mobilidade. Artigo publicado originalmente no site https://greenfuture.pt.
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