O Professor Manuel Sérgio ensinou-me, há anos, que a felicidade tinha a ver com a funcionalidade e que a solidão era algo indetetável para a grande maioria das pessoas. Dizia-me ele que a solidão das pessoas idosas era consequência da passagem do tempo.
Rui Fontes *
O tempo tem uma velocidade que, a partir de determinada idade, não é possível acompanhar. Então ele passa e nós ficamos suspensos no nosso próprio tempo, não conseguindo chegar ao futuro que, na verdade, é o tempo dos nossos filhos e dos nossos netos.
Suspensos no tempo vamos perdendo tudo, começando pela nossa autoridade e terminando no nosso interesse para os outros. Vão-nos tirando tudo e mesmo os filhos mais meigos, mais afetuosos e com mais amor por nós, acabam por ser terríveis “carrascos” da nossa vida, porque a partir de determinada idade não nos deixam fazer nada com medo que nos aconteça alguma coisa. É dramático.
O tempo passou, ficámos suspensos e tornamo-nos inúteis e é a inutilidade que nos traz rapidamente a disfuncionalidade e, logo a seguir, a infelicidade. Porque pessoas inúteis que perdem a funcionalidade são, indiscutivelmente, infelizes.
Mesmo quando conseguimos manter alguma saúde, a nossa “inoperacionalidade” social mata os nossos desejos e as nossas expectativas.
Este é o verdadeiro drama da sociedade actual em relação ao envelhecimento.
idosa caída no chão
Perante um envelhecimento fabuloso da população, temos um enorme grupo de pessoas que se estão a tornar, diariamente, inúteis e, assim, disfuncionais, infelizes e naturalmente doentes.
Se fossem poucos não seria muito preocupante. Fazíamos como temos feito com todas as dificuldades sociais do mundo moderno: escondemos essas pessoas dentro de quatro muros e vamos inventando nomes para esses locais: lar, residência, hotel sénior, estrutura residencial, entre outros.
Contudo, sendo muitos, o grande desafio que temos é conseguir manter as pessoas idosas úteis e isso não é fácil porque não existe tradição, nem história de onde possamos beber informação.
O que temos feito em contrapartida? Desenvolver atividades algo patéticas. Jogos, festas, excursões, tricot e, uma vez por outra, lá aparece uma atividade menos infantil e desinteressante.
O Professor Alexandre Kalache dizia que, perante aquilo que vê nos lares e no envelhecimento em geral, com a insistência com que as mulheres se entretenham a fazer tricot, em breve teremos camisolas que dão para cobrir o mundo! É óbvio que vão surgindo umas novidades, mas não tem passado da teoria e de resultados académicos.
Contudo deparamo-nos com uma sociedade onde os bancos e os detentores dos financiamentos recusam qualquer apoio com o critério da idade. Ou seja, tendo mais de 70 anos é muito difícil conseguir um financiamento para empreender.
E o empreendedorismo seria uma resposta interessante. Primeiro porque reformando-nos aos 65 anos ainda temos uma esperança de vida de mais de 20 anos e uma experiência que seria capaz de obter bons resultados em novos negócios e novas actividades. Retomar actividades tradicionais que estão a desaparecer, como produzir produtos alimentares tradicionais, trocar o tricot pela produção de camisolas de lã da serra da estrela (já difíceis de comprar em Portugal) ou investir em negócios que as próprias pessoas idosas possam promover são algumas das opções.
Isto requer uma alteração de mentalidade sobre o envelhecimento. Requer não considerarmos, primeiro, os nossos pais e os nossos avós incapazes de fazer qualquer coisa e, segundo, não olharmos para o envelhecimento da sociedade como uma desgraça para todos.
Muitas das pessoas idosas com 65, 70 e mais anos estão capazes de produzir, de dar lucro à sociedade e responder ao modelo que criámos que, para nos tratar bem, exige que sejamos produtivos.
Contudo, para isso, a legislação, o poder e a comunicação social teriam de ser agentes desta nova forma de abordar as pessoas idosas, não as descriminando e dando-lhes ferramentas para que se possam desenvolver. Não se pode continuar a impedir uma pessoa reformada de ter uma nova atividade remunerada carregada de impostos ou a obrigá-la a optar por um dos seus rendimentos. Tem de se motivar o investimento, através de linhas de crédito dirigidas especificamente às pessoas mais velhas.
Perguntaram-me uma vez quem pagaria os empréstimos para um negócio de uma pessoa de 80 anos, se ela morresse. Respondi com naturalidade que podiam ser os filhos ou os netos mesmo que ainda não trabalhassem. Um dia iriam trabalhar e a sociedade não perde tempo em solucionar pagamentos de empréstimos.
A tecnologia tem sido muito falada como resposta possível para o envelhecimento. Aqui entramos noutra linha de visão: oferecermos soluções que, no fundo, não criam riqueza e não produzem.
É óbvio que as pessoas idosas têm capacidade financeira para absorver estas ofertas, mas para ficar com o dinheiro que as pessoas idosas ganharam durante a vida é só esperar. Não é preciso investir em interessantíssimas tecnologias que não impedem os idosos de ficaram suspensos no tempo. A verdade é que, com as tecnologias, às vezes, os idosos até ficam mais suspensos porque a frustração de não as conseguir utilizar é revoltante.
Como na discussão de todos os assuntos sobre envelhecimento, concluímos com facilidade que as soluções não são conjunturais. Trata-se de um problema estrutural e conceptual, fundamental: a forma como a sociedade olha para a pessoa idosa, sugerindo até que os milhões de estudos académicos sobre envelhecimento comecem a preocupar-se com soluções para mudar este olhar, em soluções para combater o idadismo e em soluções que possam tornar as pessoas idosas cidadãos de pleno direito e não pessoas menores.
Outra sugestão que deixo para os estudos académicos: não procurem inventar soluções. Perguntem às pessoas idosas o que elas gostariam de fazer e tornem isso possível ou facilitado.
* Presidente Associação Amigos Da Grande Idade. Artigo publicado originalmente na revista Dignus.
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