O desafio da reabilitação

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Bairro da Beira Mar, Aveiro (Foto de João Ramos).
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Chamem-me antiquado, bota de elástico ou velho do Restelo, mas sempre me fez uma enorme confusão porque é que as mesmas entidades que autorizam a construção de edificação nova acabam muitas vezes por ser as mesmas que têm sob sua alçada incontáveis imóveis a degradar-se. E quanto deste património acaba por desaparecer porque o Estado, as Autarquias ou até mesmo os particulares foram inconscientes (ou, no limite, omissos) em cuidar do que era seu?

Por Francisco Mota Ferreira *

Eu percebo que é algo complexo para se falar aqui em meia dúzia de linhas, mas também acho que a complexidade acabamos por fazê-la todos nós, que adoramos justificar as nossas falhas com uma boa burocracia. E quando estamos enredados nela acabamos por desistir, cedendo à impotência e à inércia. E este fenómeno afecta-nos a todos, levando a que, quem está envolvido nestas questões da reabilitação e da construção, acabe, na maior parte dos casos, por escolher a segunda que, em teoria, é sempre menos burocrática (ou até menos dispendiosa) do que a primeira. O que é pena.

Passear por uma qualquer localidade em Portugal é um exercício de autoflagelação para quem goste e acompanhe as questões do património, da reabilitação ou do imobiliário. Temos, naturalmente, incontáveis leis para a coisa ser suficientemente difusa e, dessa forma, servir e ficar do agrado de todas as partes. E temos mecanismos que nos levam a encolher os ombros e pensar que noutra vida, noutra circunstância (ou com sorte, noutro país) tudo podia ser diferente.

Em termos simplistas, por exemplo, não concebo que famílias inteiras deixem degradar património porque não se entendem em partilhas. Acredito que, nestes casos, o Estado deveria impor um prazo de resolução, findo o qual caberia a uma entidade arbitral decidir a melhor forma de resolução do imbróglio, que poderia passar pela expropriação do Estado, a reabilitação com o apoio do Estado ou a compra directa do activo num leilão público, apenas para citar três possibilidades que, a meu ver, são perfeitamente exequíveis.

De igual forma, o próprio Estado e as Autarquias não deveriam autorizar construção nova sem tivesse uma solução a dar ao património degradado e ao abandono que têm sob sua responsabilidade: abertura aos privados, criação de cooperativas, habitação social, entrega a promotores imobiliários, que reabilitariam os imóveis e teriam participação na solução futura que o Estado desse a estes activos, venda a fundos de investimento… as soluções são inúmeras e variadas. Basta haver vontade para as resolver.

Temos um problema sério de habitação, temos património a degradar-se à vista de todos e continuamos a assobiar para o lado e a fingir que tudo se irá resolver com mais um diploma, uma comissão, um grupo de trabalho, um organismo ou um estudo assinado por grupos de especialistas.

Dito isto, até admito que possa estar aqui a ser utópico, mas se assim é, gostaria que alguém me explicasse o que impede que algumas destas medidas que elenquei aqui, de cor, possam ser uma realidade a breve/médio prazo?

* Trabalha com Fundos de Private Equity e Investidores e escreve semanalmente no Diário Imobiliário sobre o sector. Os seus artigos deram origem aos livros “O Mundo Imobiliário” (2021) e “Sobreviver no Imobiliário” (2022) (Editora Caleidoscópio). Artigo publicado originalmente no site Diário Imobiliário.

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