O demonizar das margens e lucros das empresas alimentares

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Foto de arquivo.

O foco mediático sobre a transação de bens alimentares nunca esteve tão aceso como nas últimas semanas. Muito por culpa do aumento do custo de vida, com o devido impacto no cabaz alimentar trazido pela inflação e, consequentemente, na bolsa dos portugueses, têm sido diversas as perspetivas levantadas, mais ou menos infundadas, e todas elas com uma premissa em comum: o demonizar das margens e lucros das empresas que operam na área (e noutras).

Por Bruno Farias *

De facto, quanto mais informação me chega sobre o tema e mais me documento sobre o mesmo, é cada vez mais difícil ter uma perspetiva clara sobre tão complexo problema. Não que o Governo não deva ter uma ação efetiva, pelo efeito óbvio que tem no quotidiano de um país cada vez mais assimétrico, mas, sobretudo, porque são aqueles que colocam a máquina económica e fiscal a rodar que mais são visados em nome da transparência e do rigor, mediante decisões que, não raras vezes, primam pela opacidade e escrutínio relativo.

Dir-me-ão: mas não foi sempre assim? Confesso que me aborrecem as rotinas e as fracas justificações para más decisões, não raras vezes, proferidas por quem está longe da realidade e desconhece o palco onde pisa. Ser empreendedor em Portugal não é para todos, efetivamente, e só com um misto de crença, espírito de sacrifício e uma pitada de insanidade criativa se decide tomar o destino profissional nas mãos e adquirir como premissa base ter como “sócio”, quase de pleno direito, alguém que muito pouco tem feito para fomentar o empreendedorismo, em detrimento da subsidiodependência.

Com interesse assisto ao esforço que tem sido colocado na questão dos lucros excessivos, com erros de casting pelo caminho, ao confundir conceitos de análise económica na antena aberta da via pública e cujos “soundbites” se tornam difíceis de esconder. Que tem de haver transparência em qualquer relação comercial creio que ninguém duvida, mas ter de
haver um bode expiatório à partida também não me parece correto, sobretudo quando o mesmo é um pilar em qualquer sociedade, não só pelos empregos que cria, como também pelo impacto que tem. Sei, também, que esta minha perspetiva pode levantar certas vozes discordantes, mas não consigo deixar de pensar que esta perseguição aos lucros e margens
consideradas excessivas do retalho organizado de base alimentar surge muito pouco após um período que pausou o mundo e nos tornou a todos mais tristes, mais pobres, com a perda de muita gente, onde as perdas de rentabilidade foram inequívocas; que certos elefantes na sala de escala nacional, e que continuam a fazer de Portugal a província da Europa em dossiês estruturantes para o desenvolvimento, só não o são para quem nos governa; e porque a obsessão com que se quer taxar tudo o que dá dinheiro parece quase um fetiche de uma classe política cada vez menos preparada, menos isenta e incapaz de liderar o país rumo a um amanhã mais próspero.

Não sou daqueles que acredita no regresso messiânico de El Rei D. Sebastião, precisamente pelo simples facto de não me encantar com discursos bonitos e com uma baforada de mãos-cheias de nada. Cansa a demagogia mediática, a falta de ambição das medidas apresentadas para resolver problemas estruturais da nossa economia e promover a dignidade do trabalho dos portugueses.

Não defendo a opacidade dos procedimentos, não aplaudo a exploração e o proveitamento, defendo que o esforço de ação seja feito de forma transversal a todos os sectores de atividade. Porque ser empreendedor neste país não é, de facto, para todos e porque é tão fácil desbaratar dinheiro isento de impostos, que não sai do nosso bolso e cuja eficácia
das decisões tomadas nem sempre se verifica, mas isso já não é alvo de tão elevado escrutínio, havendo sempre uma fácil justificação para que o progresso não se verifique.

A inflação é um problema concreto, existe, verifica-se transversalmente e todos sabemos que os ciclos económicos são como são e que a cada crise económica se seguirá uma recuperação, seja em ciclos mais longos ou mais curtos. O presente contexto não será exceção, pelo que, provavelmente, será tão somente mais uma oportunidade para promover reformas necessárias com vista ao crescimento económico.

No espartilho fiscal é preciso libertar margem para assegurar investimento e capacidade de concretização financeira, pois só com lucros se pode preparar o futuro de empresas e marcas para o momento da retoma. Porque sem marcas não há economia e sem consumo não há Estado, pelo que a visão económica e fiscal tem de ser muito mais abrangente do que a medida de curto prazo e que visa, salvo melhor interpretação, financiar as contas do erário público. As notícias dos últimos dias assim o confirmam. Prontos para mais um subsídiozinho?

* Diretor da Revista Grande Consumo. Editorial da edição de março de 2023.

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