As dúvidas – e até alguma desinformação – levantadas por políticas de transição energética aceleradas e justificadas pelas mudanças climáticas trazem consigo a questão do desempenho ambiental (pegada de CO2) dos Veículos Elétricos (VE), por comparação com os veículos com motor de combustão (VC).
Por José Carlos Pereira *
A luta, que já é uma guerra de fações, é entre o que polui mais e menos. Serão os VE ou os VC? Sinceramente, por muito que pesquise e troque informação com as duas barricadas, não há uma resposta certa ou errada sobre este tema, uma vez que depende da análise que se está a fazer. Tenho algumas certezas, mas também algumas dúvidas, pois nenhum dos estudos que vou lendo é efetivamente independente. A imposição legal levou à transformação forçada do cluster automóvel. E, nesta fase, julgo que não há marcha-atrás… para o bem ou para o mal.
O que procuro neste artigo é dar a minha perspetiva sobre o mesmo assunto – sem entrar em fundamentalismos. Certo é que os fundamentalismos, seja do lado dos VE ou dos VC, são uma das principais causas de se verem posições tão extremadas de ambos os lados, que até destroem os seus argumentos com adulteração dos factos – do tipo ‘meios que justificam os fins’. O primeiro passo, julgo eu, é estar informado. E depois tomar uma decisão, à partida, mais bem informada. Isto de estar certo ou errado não é fácil! E este meu artigo e posições tomadas também são discutíveis.
Saliento que a mudança cria resistência, e a resistência cria tensão. De facto, esta mudança – eletrificação automóvel – é quase uma alteração de paradigma. Para criar uma imagem forte, sugiro uma pequena reflexão: o paradigma está para nós como a água está para o peixe – este só dá conta dela fora de água. Percebemos o mundo segundo os nossos paradigmas (crenças) – mas note-se que, quando um paradigma muda, temos de voltar ao início; daí a aversão a mudar.
“Prefiro colocar questões difíceis de responder, do que dar respostas que não podem ser questionadas” – Richard Feynman
Tudo o que acontece no universo passa por três fases: i) novo, mas provavelmente não verdadeiro; ii) novo, verdadeiro, mas não importante; iii) verdadeiro, importante, mas toda a gente sabe – aqui dá-se uma mudança de paradigma. Quando mudamos o paradigma, as possibilidades multiplicam-se (será?). O sucesso de uma tecnologia de ontem pode não ser o sucesso de amanhã… se as regras mudarem. Mas o mudar do paradigma obriga a assumir que estamos ‘obsoletos’; daí a resistência a mudar (por outras palavras, todos queremos mudança, mas estamos pouco abertos a mudar).
O racional que vou imprimindo noutros artigos está na velocidade da transição, que pode ser colocada em causa com o novo enquadramento de dependência energética da Europa, assim como a origem da energia elétrica que alimente um VE. A isto junto a questão de hábitos e comportamentos de cada um de nós quanto aos temas da mobilidade (utilização de meios de transporte), que até são mais importantes do que a origem da energia e tipologia de veículos. Sugiro revisitar alguns artigos que se encontram nesta coluna de opinião, meus e de outros autores.
Em resumo não técnico, como fotografia e sem ser tendencioso, temos isto:
Desempenho
(VE) – permanente potência máxima disponível e silêncio durante a condução; menor mobilidade (autonomia) e conveniência no carregamento; custo de aquisição elevado em comparação com os VC de gamas similares
(VC) – progressão da aceleração através da caixa de velocidades e ruído constante devido ao funcionamento do motor
Manutenção
(VE) – cerca de 1% de peças móveis quando comparados com os VC; sem óleos lubrificantes; menor desgaste de travões e pneus (devido à travagem regenerativa com o motor); sem velas; sem fluido de refrigeração; baixo custo de manutenção periódica
(VC) – óleo de motor de substituição periódica; velas; maior desgaste de pneus e de pastilhas de travão; líquido de refrigeração; elevado custo de manutenção periódica (peças de substituição)
Ambiente
(VE) – pegada de carbono mais significativa no fabrico; em movimento, têm uma pegada de carbono menor (dependente do tipo de energia elétrica que os alimenta); tempo de vida das baterias, assim como o potencial de reciclagem (novas tecnologias disponíveis); não emitem ruído; pouca dissipação de energia em forma de calor (apenas 5%)
(VC) – emissão de vários gases com efeito de estufa provenientes da combustão; dependentes de combustíveis fósseis; abate dos veículos com reciclagem reduzida dos componentes; contribuem para o aumento da poluição sonora nas cidades; 70% da energia é dissipada em forma de calor
Saliento que, tendo em atenção estudos comparáveis, antes de um VE sair do stand já tem uma carga ambiental significativa (aproximadamente o dobro de um VC) em termos de emissões de CO2. Julgo que todos deveremos estar atentos a algumas políticas de greenwashing que atrasam a implementação de soluções verdadeiramente eficientes para resolver o problema das emissões de CO2 que residem nos transportes (ver este artigo).
Se me permitem, e em regime de conclusão rápida, um carro elétrico nunca pode ter zero emissões, como muito se difunde pelos seus defensores. De facto, alimenta-se de energia elétrica, o que obriga a emissão de CO2, mesmo com um peso significativo de energias renováveis na sua produção. Ao contrário de Portugal, com 60% de origem renovável (notavelmente acima da média europeia!), num país onde a eletricidade é produzida principalmente a partir de fontes de energia fósseis, um carro elétrico terá muita dificuldade em compensar as emissões de CO2 de um VC.
Em países onde a eletricidade é produzida maioritariamente por energias renováveis, um VE tem de compensar o adicional de CO2 produzido durante o seu fabrico (bateria, principalmente).
A forma como viajamos e nos movemos está a mudar a um ritmo bem mais rápido do que em qualquer outro momento da história. Existem dois impulsionadores principais: a necessidade de adaptação às mudanças no comportamento humano e a necessidade de maior sustentabilidade.
Assinalo como positivo que estes fatores sustentam as mudanças contínuas em direção à eletrificação automóvel, automação, conectividade e toda a mobilidade como um serviço. A questão é como conseguir tudo isto tendo em atenção o propósito de um mundo mais ‘green’ e menos ‘greenwashing‘.
* Engenheiro do ambiente, com MBA Executivo em Gestão Empresarial. É business expert, consultor, formador e speaker na área comercial e de negócios internacionais. Artigo publicado originalmente no site Greenfuture.
Publicidade, serviços e donativos
» Está a ler um artigo sem acesso pago. Faça um donativo para ajudar a manter o NotíciasdeAveiro.pt de acesso online gratuito;
» Pode ativar rapidamente campanhas promocionais, assim como requisitar outros serviços.