O caminho das pedras e o planeta Ribau

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Centro Cultural e de Congressos, Aveiro.
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Definitivamente, na nossa autarquia não se aplica o chavão do “nada será como antes”, mas sim o do “tudo será como antes”, ou pior.

Por David Iguaz *

O nosso Autarca Ribau Esteves, proferiu há dias umas declarações que descreviam os próximos tempos como sendo um “caminho das pedras”, em clara alusão aos tempos difíceis que se avizinham e ao percurso que pessoas e empresas terão que percorrer para ultrapassar esta pandemia com algum sucesso.

Acrescentaria que a função de um Presidente de Câmara que se preze deveria ser simultaneamente o de alisar o caminho para que os munícipes não tropecem e caiam desamparados nesses íngremes percursos.

Acontece que, ao que tudo indica, o caminho não só não está a ser afagado, como irão ser ainda acrescentadas novas pedras que claramente impedirão uma recuperação económica célere da cidade. Estou-me a referir, principalmente, às iminentes obras na Avenida Dr. Lourenço Peixinho, que vão afectar o desempenho dessa parte da cidade de uma forma irremediável nos próximos tempos.

Este é apenas o exemplo mais significativo ao dia de hoje, mas outros se seguirão inexoravelmente num futuro próximo. Tudo em prol do progresso e desenvolvimento. O que Aveiro precisa neste momento não é de investimento público avulso, sem estratégia e não produtivo, mas sim de um investimento público localizado e focado na recuperação imediata da vitalidade comercial, empresarial e social da cidade.

Definitivamente, na nossa autarquia não se aplica o chavão do “nada será como antes”, mas sim o do “tudo será como antes”, ou pior.

O Presidente da Câmara age como se a pandemia nunca tivesse acontecido e simplesmente fosse tempo de retomar a actividade construtiva frenética do passado e continuar a gastar os milhões em caixa em obras que em pouco ou nada irão beneficiar uma grande parte da população.

Sempre duvidei da utilidade de fazer estas obras numa Avenida que representa a artéria principal da cidade mas, se dúvidas existissem, pode-se agora afirmar taxativamente que esta obra é inadequada e fora de tempo no actual contexto crítico que vivemos.

Quem o diz também é a parte directamente interessada no assunto, representada por um conjunto de proprietários, arrendatários e funcionários de espaços comerciais e serviços daquela via, que anteveem o que vai acontecer quando a obra avançar.

Se, por um lado, algum comércio já viu as suas portas fecharem definitivamente por causa da pandemia, por outro, será de antever que mais alguns seguirão pela mesma via como consequência de umas obras que implicam a remodelação total daquele eixo, por um período nunca inferior a 16 meses (e todos nós sabemos quais as implicações inerentes às previsões dos prazos das obras públicas) e que irão iniludivelmente afectar em cheio a actividade comercial daqueles que lá trabalham.

Perante este contexto, uma questão impõe-se: estará o nosso autarca disposto a assumir pessoal e politicamente no futuro as consequências nefastas da decisão de avançar com aquelas obras quando aquele comércio ainda nem sequer começou a recompor-se do confinamento forçado decorrente da pandemia covid-19, desde março? Duvido.

Muitos de nós ainda se lembram da hecatombe que representou a obra da praça do Marquês de Pombal, cujo comércio definhou durante anos a fio e que ainda hoje sofre as consequências de uma decisão pouco ponderada e muito contestada.

Como munícipe de Aveiro desde há 25 anos, não posso ficar indiferente perante este desastre anunciado e ao silêncio de muitos, entre os quais o da Associação Comercial do Distrito de Aveiro, respeitante a uma matéria tão fulcral para o futuro da cidade.

A autarquia poderá sempre argumentar que existem dezenas de medidas explicitadas no seu Programa de Ação de Apoio à Atividade Social e Económica da Câmara Municipal de Aveiro para combater as consequências da pandemia.

Exorto todos aqueles que não se deixam convencer facilmente por manchetes alardeantes e declarações anódinas que invistam um pouco do seu tempo para ir ao site da Câmara analisar o verdadeiro alcance de todas essas medidas.

Facilmente constatarão a falta de substância das iniciativas enumeradas e que pouco irão contribuir para resolver os graves problemas socioeconómicos que nos assolam.

Existem bons exemplos no país de autarcas que tomaram verdadeiras medidas de mitigação para tentar contrariar os impactos negativos desta crise como, por exemplo, a de emitir vales de refeição aos funcionários camarários com a condição que eles sejam gastos na restauração local de forma a potenciar a retoma da actividade do sector, a compra e administração alargada de testes para despistagem do Sars Cov 2 entre pessoas com maior exposição ao risco de contagio, ou mesmo o incentivo aos munícipes para a compra de produtos locais.

Em vez de tomar estes casos como exemplos a seguir, o nosso “humanista”, conforme foi recentemente apelidado pelo Presidente do Turismo do Centro, decide continuar como se a pandemia nunca tivesse existido, lançando obras onde quer que seja, como a da Avenida Dr. Lourenço Peixinho, dos novos campos de treino para o Beira Mar, de novas rotundas na Nacional 109, ou novas obras no Teatro Aveirense, cujo edifício foi totalmente remodelado em finais de 2003.

Decididamente, a “nova normalidade” não surtiu os efeitos desejados no nosso autarca e receio bem que os novos financiamentos anunciados só venham servir para dar novo fôlego a um sem-número de obras inúteis em carteira, esbanjando ainda mais os recursos existentes e deixando o nosso município parcamente preparado para um futuro incerto.

Este não só será o caminho das pedras, mas também o caminho do betão, que visivelmente é o único desígnio que Ribau Esteves conhece, independentemente dos tempos que corram. Mas em que Planeta vive o nosso Presidente da Câmara?

David Iguaz.

* Arqueólogo e ativista.

 

 

 

 

 

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